ORIENTAÇÃO ESPIRITUAL E PSICOTERAPIA - CAMINHOS PARA O CRESCIMENTO HUMANO E ESPIRITUAL NO PROCESSO FORMATIVO
A Orientação Espiritual e Psicoterapia tem
recebido ênfase como recursos para o crescimento humano e espiritual na vida
cristã. Mas, particularmente para pessoas que buscam a Vida Religiosa
Consagrada (VRC[1])
como o caminho de sentido para suas vidas, estas são relevantes e qualificam o
processo formativo. A VRC é uma forma própria de viver a vocação cristã e, como
tal, tem princípios e exigências singulares para ter consistência e elevada
capacidade de resiliência. Entre as exigências que lhe são próprias, está a
constante itinerância, a vida comunitária, a missão, muitas vezes, em culturas
estranhas e contextos de extremo risco ou em ambientes influentes da sociedade,
que requerem atitudes de elevada ousadia, para viver o Evangelho e, em especial,
no comprometimento com as causas dos injustiçados e excluídos.
Observamos que o número de pessoas que
optam por este estilo de vida, reduziu-se significativamente nos tempos atuais
por inúmeros motivos, tais como: sociedade secularizada, reduzido número de
filhos, e também pelas exigências atuais deste estado de vida. A VRC requer
alto grau de liberdade interior, de renúncias, de ascese, capacidade de saída
de si mesmo, abertura e itinerância, colocar-se em segundo plano sempre, na
pobreza, obediência e castidade. Estes não são os valores que o mundo propõe,
por isso não são muitos que dão conta. A VRC é para poucos, é para os que se
colocam em constante vigilância e processo de conversão. É viver a versão do
evangelho, e viver na contramão da sociedade Atualmente os consagrados se
encontram inseridos na sociedade e vivem em realidades diversas, exercendo as
mais diferentes profissões. As pessoas que procuram a VRC são frutos do contexto
e a grande maioria traz experiências de vida que merecem atenção especial, pois
trazem experiências de infância e adolescência que as deixam com
inconsistências que podem comprometer a realização do ideal, se bem que, fragilidades
não necessariamente significam obstáculos para este estilo de vida. No
imaginário coletivo, existem estereótipos sobre as pessoas consagradas como “pessoas
santas e separadas do mundo ou capazes de tudo, puras, incansáveis etc.”.
Atualmente a VRC está numa encruzilhada, buscando sua verdadeira identidade e
razão de ser. A dinâmica da VRC exige constante abertura e capacidade de
acompanhar as mudanças de e da época sem perder o que lhe é singular. Ressaltamos
que cada Congregação Religiosa tem um carisma e espiritualidade própria. Mas
acreditamos que independente da tarefa apostólica que executam, todos têm uma
única missão que é testemunhar o amor e a misericórdia de Deus. Para além dos
estereótipos, há muitas concepções sobre o que é VRC. Concebemos a “vocação
como iniciativa divina e resposta humana” [2].
Deus dá a graça, mas necessita do envolvimento e comprometimento da pessoa para
aperfeiçoá-la na vocação e missão.
A espiritualidade e a ciência são vitais
para habilitar a pessoa a servir a Deus de forma livre. A atenção e a vivencia
da espiritualidade pelo ser humano contribui para que o desenvolvimento da
pessoa possa acontecer de forma global e saudável e se mantenha aberta para
desenvolver-se infinitamente, conforme o plano de Deus Criador.
As ciências, em especial a Psicologia e a Antropologia,
têm o que oferecer ao processo formativo, mas há que se cuidar para não haver
fragmentação e/ou sobreposição com as demais dimensões da formação. Facilmente,
as candidatas à VRC supervalorizam a busca de seu eu mais profundo pela
psicoterapia e não conseguem manter um ritmo no cultivo espiritual, que também engloba
tudo que é humano.
É também verdade que tudo que a pessoa vive
fica registrado no psíquico, no entanto, esta não é a única dimensão da pessoa.
Pode-se observar que a dimensão psicológica da vida espiritual tem seu enraizamento
nas dinâmicas humanas. Tudo está impresso no corpo, mente e na psiquê. É no
humano que o divino se manifesta. Portanto, tudo que é humano é psíquico e tudo
que é psíquico é divino. Para todas as pessoas,
o autoconhecimento
torna-se importante para sua realização e seu contexto relacional. No caso da VRC,
a formação precisa abarcar o todo da pessoa levando-a a reconhecer os
condicionamentos e não só as liberdades e, conduzi-la, na liberdade, a um
estilo de vida que permita Deus ser Deus e a razão de sua existência. Ser livre
o suficiente para fazer a opção por um estilo de vida que se centraliza no
seguimento e gradual conformação a Jesus Cristo pela vivência dos Votos de Pobreza,
Obediência e Castidade, e assim encontrar a realização pessoal.
Esta decisão exige abertura confiante para
acolher a verdade que Deus vai revelando sobre o passado, presente e futuro da
pessoa. A formação para a VRC é gradativa e ampla, contemplando estudos
acadêmicos, psicoterapia individual e grupal, acompanhamento personalizado,
convívio comunitário, experiências de missão, oração, etc.
Assim sendo, o estilo desse trabalho de
conclusão de curso é ensaístico e empregarei do ponto de vista metodológico
fragmentos de depoimentos de pessoas[3]
que passaram por tais processos (colhidos ao longo de anos na realização de
tais acompanhamentos), a fim de ilustrar aspectos teóricos que apresento nesse ensaio
– procedimento próprio dos moldes da pesquisa participante e/ou pesquisação.
Os aspectos citados acima se encontram no
depoimento de uma jovem Joice de 30 anos de idade no segundo ano de noviciado. Assim ela se expressa sobre a importância da psicoterapia no
amadurecimento humano e espiritual.
Ela diz:
No meu primeiro
ano de formação, com as Irmãs da Divina Providência, fui orientada por minha
formadora a fazer um acompanhamento terapêutico, a fim de me possibilitar uma
ajuda diante do meu processo formativo e integração humana. A princípio fiz
resistência e respondi que eu pessoalmente gostaria de sentir necessidade para
tanto.
Passando-se um semestre, solicitei da minha formadora o
acompanhamento, e foi melhor assim. Tive este acompanhamento durante um bom
tempo (fiz meio ano de Aspirantado e os dois de Postulado). Durante esse tempo
fui desconstruindo e reconstruindo muitas coisas, fatos que marcaram, tanto
positivamente como negativamente, minha vida, minha história.
A terapia foi me ajudando a dar-me conta das minhas reações
espontâneas que machucavam as pessoas no meu entorno e machucavam a mim mesma.
Assim como ajudou a me perceber, a descobrir de onde vinham meus
condicionamentos, resistências e até mesmo, às motivações para fazer minha
opção profissional e vocacional. Sofri muito ao perceber que, durante um bom
tempo, vivi para corresponder às expectativas das pessoas em relação a mim,
principalmente da família.
Ao chegar à Congregação, eu apresentava resistências, até
para me adaptar às realidades culturais e eclesiais do Rio Grande do Sul. A
terapia me ajudou de tal forma, que percebi o não acolhimento de minha própria
cultura, foi lindo esse processo de integração da minha cultura e a cultura
gaúcha.
Pude perceber durante esse tempo o quanto as reações das
pessoas me afetavam, de modo especial daquelas que eu amava e amo, chegava a
gastar muitas energias com isso e até perder sono, o que me causava raiva e
consequentemente tristeza.
Com a ajuda da terapeuta, a partir dos seus encaminhamentos e
em confronto com minha formadora (Postulado), fui fazendo um significativo
caminho de integração pessoal, dei passos gradativos e pequenos, porém,
importantes para abraçar com sinceridade e transparência a Vida Religiosa
Consagrada.
Minha terapeuta trabalhava a partir da linha de Jung, meus
sonhos, e de fato, isso foi correspondendo ao processo de autoconhecimento que
vinha fazendo. Valorizando meus dons e possibilidades fui trabalhando minhas
inseguranças e baixa autoestima, aos poucos, ganhando confiança em mim mesma.
Contudo, não foi tão simples assim. Todo processo, quando
feito com sinceridade, transparência é doído, principalmente quando isso se
refletia em minhas experiências de oração, porque me deparava com minhas
realidades e verdades e muitas vezes queria fugir disso, com medo de descobrir
algo que não correspondia com minha opção para Vida Religiosa Consagrada. No
entanto, depois de muitas fugas, chegou o momento de me pegar pelas mãos e
dizer: aconteceu isso aqui, eu me tornei isso aqui, eu decidi por isso aqui, e
vou dar um novo sentido para essa opção, e assim deslanchei e abracei meu
Projeto para seguir Jesus Cristo como Irmã da Divina Providência.
Ao chegar ao Noviciado fiz uma significativa experiência com
Jesus Cristo e seu projeto do Reino. Ali percebi a dimensão de muitos aspectos
que eu já havia trabalhado em mim durante o tempo de terapia. Isto foi
importante para eu afirmar meu projeto de vida. Cresci em minhas convicções e
percepção de verdades. Pude ser eu, de forma livre, espontânea e participativa
na vida comunitária e missão. Desenvolvi uma surpreendente autoconfiança em
mim.
No entanto, já não tinha mais a terapia. Em um determinado
momento de crise, a tristeza bateu forte. Senti Deus distante, na verdade, eu
distante de mim mesma. Ali percebi que algo não estava integrado em mim.
Passado o ano canônico, em diálogo com a formadora, sentimos necessidade de
retomar meu processo terapêutico, a fim de trabalhar uma questão bem específica
que me envolve de vez em quando, o que estou fazendo.
De um todo, já cresci humanamente bastante, e isso tem
refletido em minhas relações com as pessoas, na opção de vida, no
amadurecimento vocacional, na missão e principalmente na oração, pois tenho
resistido às fugas quando aparecem e tenho me confrontado na liberdade com Deus
e com seu projeto de amor.
Na oração e no discernimento cotidiano, tenho prestado
atenção em mim, em minhas ações, decisões, confirmações, resistências e projeto
de vida: “Construir a minha casa sobre a rocha”. Com coragem tenho assumido
tudo isso e venho me colocando por inteira onde estou e na missão que Deus me
confia como uma Noviça, Irmã da Divina Providência. (cf. Joice)
Cremos que a tarefa
básica da formação inicial para a VRC é formar a pessoa na liberdade e para a liberdade
e assim ajudá-la gradativamente a descentrar-se e transcender-se para ‘suportar’
o amor de Deus e comprometer-se com um projeto em que ela se sinta realizada e
feliz e contribui para a felicidade dos outros. Compreendemos o amor como a
marca divina, o reconhecimento da imagem do amor do Deus “tripessoal/trinitário”,
que justifica a necessidade do cultivo da espiritualidade que nunca é alheio às
relações humanas.
Acolhendo a verdade
espiritual baseada no antigo axioma antropológico que “a graça supõe a
natureza”, o questionamento que emerge é como acolher e fortalecer a natureza
humana da pessoa que chega à Congregação Religiosa, respeitando sua estrutura
psíquica para que suporte a graça de Deus e, consequentemente, a leve ao
compromisso livre e responsável com a causa da Congregação, pela qual se sentiu
atraída.
A psicoterapia pode
ser salutar se acontecer simultaneamente à Orientação Espiritual. Pode contribuir
para o autoconhecimento. Pode também ser anterior a ela conforme o momento e
situação da pessoa.
Qual é de fato a
contribuição da psicoterapia e da Orientação Espiritual? Tem-se dado muita
ênfase ao autoconhecimento e nas relações interpessoais das etapas iniciais de
formação e mesmo na formação continuada. Com esta possibilidade, não raras
vezes, a pessoa descobre em si elementos até então não conscientes que podem
ter influenciado na sua decisão e, se não são integrados podem comprometer sua
caminhada vocacional e o amadurecimento humano saudável. A pergunta é, quando e
quanto tempo e por qual meio a pessoa precisa trabalhar suas fragilidades psíquicas?
Cabe aos formadores e Orientadores Espirituais, com a pessoa sentir e sugerir
em que momento do processo é importante para a pessoa contar com a psicoterapia.
Como já afirmamos a
VRC é uma opção de vida exigente. Precisa de pessoas capazes de optar com e na
liberdade e, consequentemente, manter viva e crescer em maturidade e
profundidade na opção feita. VRC é constituída por pessoas humanas reais e seu
fundamento encontra-se no nível da fé, que não é sinônimo de perfeição. A VRC é
um estilo de vida “anômalo e inseguro”. Seus membros não se escolhem mutuamente,
não decidem com seus critérios pessoais pela missão que realizam, não possuem
bens, eles vivem um paradoxo: “não têm nada e têm tudo”. É-lhes exigido serem
amantes do mundo, doutores do amor sem se apegarem a ninguém. Para tanto, as
candidatas à VRC passam por um processo formativo que se dá no nível humano,
mas que se ancora gradativamente no divino, buscando consistência na relação
com Deus.
A partilha que segue adiante
ilustra bem o benefício da psicoterapia num momento de crise existencial, no
itinerário vocacional e nele percebe-se a integração da psicoterapia e da
Orientação, no processo de amadurecimento humano e espiritual.
A psicoterapia, ajudou-me no
autoconhecimento, na auto percepção dos sentimentos, das reações espontâneas e
no acolhimento da minha história e realidade. Passei por momentos de grandes
questionamentos, de chateações, raivas e tensões. Estava longe de mim, e
sentindo-me longe de Deus. Vivi uma desordem emocional e espiritual. As minhas
convicções foram se tornando frágeis. Passei a questionar as experiências de
Deus até então significativas na vivência vocacional e missionária. Senti
desejo de buscar esclarecer e aprofundar as verdades da fé que conhecia e as
experiências de Deus que foram fortalezas na minha caminhada. Aos 34 anos de
idade, iniciei psicoterapia e, aos 35 anos de vida, busquei a ajuda na
orientação espiritual. Por perceber muitos fatos de vida que até então não
havia acolhido, tive medo de perder a vocação. Na Orientação Espiritual encontrei
um espaço de acolhida, de escuta atenta e muita sintonia. Com os momentos de
partilhas, fui ganhando espaço para clarear e fortalecer as razões da fé, das
experiências de Deus que estavam obscurecidas. A Orientação Espiritual tem sido
um grande beneficio para o meu processo de crescimento espiritual e
amadurecimento na fé cristã. A Orientação Espiritual me ajuda na escuta, no dialogo
com Deus e comigo mesma. Tanto a Psicoterapia, quanto a Orientação Espiritual
tem contribuído para sentir-me uma mulher inteira, com capacidade de amar e
deixar-me amar. O autoconhecimento tem ajudado no cultivo de uma
espiritualidade integrada e libertadora. A Orientação Espiritual é como uma luz
para permanecer no caminho e sentir-me em casa comigo. Sinto que em mim está
nascendo o desejo de encontrar o infinito e permanecer na presença de Deus e as
descobertas deste caminho quero compartilhar com alguém. (cf. Marília)
Em todas as etapas de vida, a pessoa
precisa de “mistagogos” como mediações que conduzem o processo de maturação. Aí
se encontra a razão da Orientação Espiritual e, em determinadas situações e
tempos, a psicoterapia. Embora cientes que o grande mistagogo será sempre o
Espírito Santo, como humanos necessitamos de pessoas na caminhada. Enquanto
pessoa necessita de outras pessoas que a ouçam e acolham e, por vezes,
confirmem a direção a tomar. Nos processos formativos de candidatas à VRC,
formadoras, orientadoras espirituais e psicoterapeutas devem ser hábeis para
identificar os sinais da presença de Deus, nas experiências de vida, embora
cada um tenha sua tarefa própria no itinerário da pessoa que acompanham.
No campo da saúde psicológica, existem
elementos já confirmados de que na pessoa existe uma religiosidade inconsciente,
ou seja, como Frankl descobriu em suas pesquisas, há uma relação com a transcendência
que é imanente. Segundo esta teoria, toda pessoa, independente de seu estado de
vida, é dotada desta dimensão e esta deveria ser desenvolvida para que possa
chegar a sentir-se inteira. Pode ser que em algumas pessoas na VRC, a
religiosidade encontre terreno propício para desenvolver-se. Se assim for, um
itinerário espiritual poderia dar conta de sua história com tudo que dela faz
parte. A questão a ser considerada é dar SENTIDO ao vivido e desejado. Olhando
por este prisma, todos os seres humanos teriam possibilidade de optar pela VRC.
No entanto, a pessoa pode desejar Deus como
fuga de si mesmo. O chamado para a VRC pode também ter na raiz fenômenos como:
fantasia, fuga, culpa, sentimentos internos de medo ou irreais. (cf. Is. 6,1ss.).
Por estas e outras questões, procuraremos
esclarecer conceitos sobre Espiritualidade, Orientação Espiritual, Psicoterapia
e identificar os elementos específicos de cada meio, bem como, sua
complementariedade, alcance, semelhanças e diferenciações necessárias em vista
de oferecer elementos que contribuam para uma formação sólida a quem chega para
VRC.
Toda vocação surge numa experiência e se
mantem numa relação. Portanto, há o chamado, a escuta e a resposta a alguém. Isto
não ocorre num momento único, pode implicar uma vida. A experiência pode ser
mais ou menos consciente, mas é imprescindível que aconteça o momento da opção
e posterior resposta.
Cremos
que somos seres criados e criadores, temos em nós a marca do Criador que vai agindo
em nós e por meio de nós, por isso, o crescimento humano e vocacional acontece
na imanência e na transcendência. A pessoa humana é mistério marcado de virtudes-pecados,
liberdade – escravidão, amor – egoísmo e, a profundidade e intensidade como a
pessoa vive é processual conforme escreve Amadeo Cencini[4].
O mesmo autor afirma que a pessoa humana é dotada de um psiquismo que a
habilita a transcender-se, abrir-se ao divino, captar seus sinais e amá-Lo. Tal
abertura levaria a realização plena da personalidade e esta seria a exigência e
vocação de toda pessoa. Sendo assim, poderíamos pautar nossa reflexão sobre a
base unicamente humana e, a partir dela, construirmos as respostas que buscamos
neste estudo. No entanto, a VRC tem raiz e só tem possibilidade de existir e
ser compreendida à luz da fé. Não numa fé desenraizada, mas sim na fé em uma
pessoa concreta que é Jesus, o Filho de Deus e seu projeto. A referência,
independente do carisma institucional será sempre Jesus Cristo, o divino e
humano. E porque não dizer, aquele que se humanizou na obediência ao Pai sendo
fiel como vocacionado no pleno envolvimento da condição humana! Jesus Cristo é
o vocacionado de Deus Pai e modelo por excelência para todos que se sentem chamados
para segui-Lo. No principio da fé cristã, podemos crer que é possível viver o
que são Paulo viveu e afirmou ao povo de Éfeso:
Enraizados e alicerçados no amor, vocês se tornarão capazes
de compreender, com todos os cristãos, qual é a largura e o comprimento, a
altura e a profundidade, de conhecer o amor de Cristo, que supera qualquer
conhecimento, para que vocês fiquem repletos de toda plenitude de Deus. (Ef 3, 18-19).
Para
alcançar este nível de maturidade de fé há uma caminhada humana longa a ser
feita.
A
Orientação Espiritual cristã só tem sentido para quem tem uma vida espiritual e
quer crescer espiritualmente, tendo em Jesus Cristo seu horizonte. Buscará Orientação
Espiritual por necessidade de discernir para perceber onde e como Deus se faz
presente nas ambiguidades e instâncias humanas. A pessoa sabe que os caminhos
do Espírito a serem trilhados são sempre novos e surpreendentes, e o caminho
espiritual é um caminho sempre novo e será sempre inacabado. Neste peregrinar,
um/uma Orientador/a Espiritual pode ser o/a companheiro/a de viagem que
sinaliza e testemunha a ação de Deus no caminho do orientando, vocacionado à/na
VRC. A opção pelo estilo de vida no qual quer viver será opção unicamente da
pessoa.
A
definição de Orientador Espiritual como “diácono do Espírito” p. 28 é muito
pertinente, sendo entendido como um homem ou uma mulher que tem o carisma de
ajudar a discernir a experiência
espiritual de outra pessoa. Pois, num dado estágio do crescimento
espiritual, o/a vocacionado/a já não se vê realizado nos parâmetros do mundo,
mas sim nos parâmetros do carisma da Congregação a que pertence. A Orientação
Espiritual é um processo humano, centrado no divino. O enfoque da Orientação
Espiritual sempre deve ser a experiência de Deus e dos movimentos e moções que
acontecem neste discipulado, isso é, no seguimento de Jesus. Na sessão de
Orientação Espiritual, foca-se unicamente a pessoa do orientando em sua relação
com Deus. William A. Barry e William J, Connolly em seus múltiplos textos sobre
orientação espiritual esclarecem que o Orientador Espiritual não interfere no
sentido de direcionar, mas ajuda a manter a direção para Deus. Cabe à própria
pessoa, no exercício diário, com disciplina e ascese, afinar o ouvido e o
coração e direcionar seus afetos acolhendo Deus comunicante nos fatos de sua
vida. Nesta relação pessoal, aumenta a intimidade com Ele e cresce em
profundidade e na capacidade de assumir as consequências desse relacionamento.
Gradativamente, em processo de descoberta de si e de Deus, com a ajuda, o/a
orientando/a passa a existir numa relação de amor que quer manter.
A
descoberta de sentir-se incondicionalmente filho/a amado/a de Deus é
deslumbrante e é o auge da experiência espiritual. Quando a pessoa experimenta
o amor de Deus, acolhe sua vida e promove vida, isto é maturidade na fé.
Geralmente
isso se consegue fazer em grande profundidade na vivência e escrita da teografia,
que é reconhecer os locais sagrados que marcam a vida e dão novos significados
ao acontecido. Como compreendemos a VRC na luz da fé, a pessoa é acompanhada por
formadoras para gradativamente fazer leitura da sua história de vida, a partir
da experiência com Deus, reconhecendo o seu infinito amor, especialmente nos
momentos mais sofridos e exigentes de sua trajetória existencial. Ali também se
percebe o “primeiro amor”, isto é, o toque primordial, o cerne do chamado
vocacional e da resposta que damos naquele exato momento, bem como os instrumentos
que Deus usou no itinerário teográfico.
Conforme Ulpiano Vázquez[5], o orientador espiritual como uma “bússola” não inventa o
norte, mas faz a função de teógrafo na terra sagrada, que é o coração do/a
orientando/o. A percepção das marcas de Deus na trajetória de vida do
orientando é identificada no exercício da escuta atenta da narração que o
orientando faz de sua experiência espiritual. Deus faz experiência com sua
criatura, continuamente e pacientemente se ocupa com a pessoa. Pela vivência
espiritual, a pessoa adentra neste Mistério, de onde ela saiu, no qual ela
existe e, a partir do qual, vê a vida e os fatos. Isto requer do Orientador
Espiritual disposição de escutar a pessoa que fala de si mesma, de Deus e da
relação entre ambos. A partilha que o/a orientando/a faz pela palavra é o único
meio para o Orientador Espiritual ter acesso à ação de Deus na trajetória
espiritual do outro. E será verdadeira Orientação Espiritual quando o
Orientador escutar, não somente palavras do orientando/a, mas quando ouvir o
próprio Deus falar, agir e conduzir o orientando/a. Digo que viver
espiritualmente é ter a graça de experimentar o agir teológico no
antropológico, o divino no humano.
Não existe dúvida quanto à importância da
ajuda psicoterápica em determinadas situações, particularmente em questões traumáticas
e de estresses. A ciência psicológica oferece muitas possibilidades para o autoconhecimento
o que repercute diretamente na saúde e bem estar da pessoa. Aceitar e compreender a pessoa humana como sendo “um ser
consciente e livre, capaz de ter o domínio dos elementos da sua personalidade,
e chamado a crescer progressivamente na mesma consciência-domínio de si como também
na liberdade e responsabilidade”[6],p.19
entra a dimensão dinâmica e a possibilidade de amadurecimento gradual. Esta
afirmação não abarca a dimensão vocacional e espiritual. Todo cristão deve
buscar o autoconhecimento e desenvolver-se plenamente. Portanto, parece
evidente que a psicoterapia foca os elementos psicológicos, comportamentos não
saudáveis e sua repercussão e importância no desenvolvimento. Nesse campo,[7]apud Volpato Cordioli p. 19 diz:
Psicoterapias são métodos de tratamento para problemas de
natureza emocional, nos quais uma pessoa treinada, mediante a utilização de
meios psicológicos, estabelece deliberadamente uma relação profissional com a
pessoa que busca ajuda, visando remover ou modificar sintomas existentes,
retardar seu aparecimento, corrigir padrões disfuncionais de relações
interpessoais, bem como promover ou crescimento e o desenvolvimento da
personalidade.
Como
bem expressa à definição acima, psicoterapia é um recurso da ciência buscada
por uma pessoa, quando esta se encontra em uma situação de desconforto que
possa comprometer a saúde, o relacionamento interpessoal ou então tem desejo de
autoconhecimento. Para atingir este fim, “o terapeuta utiliza especialmente a
comunicação verbal (as diferentes intervenções) e a relação terapêutica com a
finalidade de o paciente a fazer com que modifique emoções, pensamentos,
atitudes ou comportamentos considerados desadaptativos”[8],
p. 19.
Existem
muitos tipos de psicoterapias e, conforme a técnica que as caracterizam, variam
também a frequência e duração das sessões. Em todos os tipos a pessoa visa
chegar a um insight maior sobre sua dinâmica
psíquica e o efeito dela sobre sua vida. As psicoterapias têm em comum a
aceitação e o apoio do paciente por parte do terapeuta, o contrato terapêutico
e todas possuem uma teoria na qual a pratica se fundamenta. A colaboração do
paciente é vital para o sucesso de qualquer psicoterapia. Sendo assim a
psicoterapia é “tratamento” porque é buscada em situação de desconforto na
existência de algum conflito a nível emocional. No entanto, pode também ser um
meio que visa aprofundar o autoconhecimento que tal como o crescimento
espiritual nunca finda. O ser humano é um mistério em constante desenvolvimento
e nunca totalmente revelado.
Rita,
uma jovem consagrada, de 27 anos de idade e quatro anos de consagração religiosa,
ávida por se conhecer melhor, buscou psicoterapia e assim se expressou:
A psicoterapia, no itinerário vocacional me ajuda a perceber
as diversas formas de subjetivação, que se tornaram presentes em minha vida,
até o presente momento. Algumas vezes ela nos tira o chão quando tomamos
consciência de fatos existenciais vivenciados. Quando isso acontece, precisamos
aprofundar, especialmente, nossa relação com Deus. Apesar de todo o resto ainda
estar bagunçado, senti primeiramente a necessidade de resignificar minha
vivência espiritual e a partir dela reescrever minha história de vida.
Uma vez que me dou conta da realidade de minha vida, dos
fatos e situações, da forma como os vivenciei, consigo minimamente “aceitar”
minha história, assim como é. E, aceitando-a, ela não passa mais a ter uma
carga afetiva tão grande. Torno-me mais livre e me observo como sujeita livre e
madura para conviver, criar relações e capacitar-me na resiliência. Uma vez
feito esse processo, percebo que está em minhas mãos a capacidade de interagir
e olhar positivamente para o passado, trazendo presentes as lembranças, porém,
com autoconfiança e superação cotidiana, que acaba tornando-se libertador.
Só podemos tomar as decisões mais profundas e livres em nossa
vida, na maturidade que se forja no autoconhecimento, independente do meio em
que este acontece. Nesse sentido, o autoconhecimento, não é um processo de um
determinado tempo de psicoterapia, mas uma constante tomada de consciência das
forças que nos atravessam e nos constituem em cada momento de nossa vida. Em
vários momentos, precisamos de uma ajuda qualificada para nos entendermos e
para percebermos o nosso movimento e dinâmica na relação com os outros. Esta
dinâmica está interligada com as forças que foram nos subjetivando,
provenientes da cultura familiar e social. “Na conscientização disso, podemos
adquirir novas forças cotidianas e criar novos movimentos resignificando
“verdades absolutizadas” (cf. Rita)”.
No
depoimento se percebe os movimentos psíquicos, a relevante importância da
psicoterapia no processo de busca do verdadeiro self. A pessoa não fala que é pela psicoterapia que faz opção de
vida, mas encontra por meio dela elementos importantes para o crescimento
humano que favorecem o amadurecimento em vista de uma opção ou seguimento mais
livre. Estes elementos, citados como forças de subjetivação, se não forem
integrados, poderão vir a ser obstáculo na vivência da vocação à VRC.
Podemos
constatar na psicoterapia um meio que favorece o autoconhecimento, mas também sua
importância é inquestionável nas situações de bloqueios que embotam o afeto,
distúrbios de personalidade, fobias e diversas realidades que podem interferir
na saúde e na construção do verdadeiro self.
A VRC não é privilégio para os fortes, mas requer pessoas suficientemente
livres e com sanidade. Na verdade sobre si que a pessoa constrói seu projeto de
vida e à medida que se constrói se liberta. O itinerário formativo consiste em
buscar a santidade e não a perfeição.
Outro
exemplo é o de Ana, uma consagrada de 65
anos de idade e 42 de consagração religiosa, que tinha uma disciplina pessoal
rigorosa, no sentido de fidelidade à oração e prática dos sacramentos. No entanto,
sentia-se distante de Deus e as relações com os membros de sua comunidade em
momentos eram difíceis e conflitivos. Sentia-se só, excluída, impotente, sem poder e
desenvolveu um quadro complicado de hipertensão, fraqueza física e dores no
corpo. Quis iniciar Orientação Espiritual. Na terceira sessão foi necessário
sugerir-lhe psicoterapia. Iniciou um tratamento psicoterápico intensivo durante
o qual descobriu dimensões até então inconscientes que prejudicavam sua saúde,
refletiam em sua maneira de ser com as pessoas e deturbavam sua imagem de Deus.
Tendo tornado consciente sua dinâmica psíquica, gradativamente foi se
reconciliando com seu conflitivo passado e passou a viver com mais liberdade
seus compromissos como consagrada em especial sua participação na Vida
Comunitária. Recuperou seu elã para trabalhos apostólicos e estabeleceu relação
bem mais sadia com sua família. Referiu muitas vezes, passado a crise e após
um intensivo trabalho pessoal, passou a sentir-se amada e sente a vida de Deus
Trindade nela e nas pessoas que a cercam. A mesma pessoa tem agora consciência
de sua fragilidade e busca dar atenção a si e faz partilhas espirituais significativas.
Sabe que é muito vulnerável e facilmente perde a autoestima que é “seu espinho
na carne” (cf. 2 Cor 12,7) do qual tem consciência e precisa de suporte para
não se perder ou mesmo rivalizar para ganhar atenção que necessita.
Os
dois depoimentos citados são de pessoas em diferentes etapas de VRC. No
primeiro, a pessoa é mais aberta, buscou por iniciativa própria ajuda e,
simultaneamente, faz sua teografia. Tem acompanhamento vocacional sistemático
por uma formadora. No segundo caso, as defesas são bem mais estruturadas e as crenças
“não verdadeiras” em termos de self e
a imagem de Deus são mais difíceis de desconstruir. Mas ambas são beneficiadas
pelos meios de psicoterapia e Orientação Espiritual.
Ao
falar em Orientação Espiritual e Psicoterapia, é pertinente pensar em
espiritualidade e religião. Assim, partindo da premissa de que a psiquê é mediação entre o biológico e o
cultural e que a religião e a espiritualidade são moldadas pelos meios culturais,
aceitaremos naturalmente que, nas opções cristãs, existem fatores como:
sociais, históricos, teológicos, filosóficos. Somos seres afetados pelo meio e
pela história. A experiência de Deus não se dá no vazio. Na relação com Deus
existe um fator específico e imprescindível. Como na encarnação do Filho de
Deus, o Espirito Santo precisou de um corpo, o corpo de Maria. Assim no encontro pessoal com Deus a pessoa é fecundada. Mas
também, esse encontro com Deus deve ser, na medida da pessoa, compreensível e
passar através das dinâmicas inconscientes às conscientes da psiquê humana. É importante salientar
que a definição de espiritualidade/religiosidade como “experiência” deve levar
em consideração a forma como o sujeito se deixa afetar e como interpreta essas
experiências, e o que ela produz enquanto sentido para a sua vida. A experiência, o captar o mistério de Deus nos fatos da vida
pode levar ao amadurecimento humano e espiritual. É pertinente a afirmação,
“não a maturidade e sim o amadurecimento é-nos exigido”[9],
p. 13 Tal como a maturação biológica e psíquica a dimensão espiritual também é
algo que vai se dando, não é dada mas é buscada. A dimensão da espiritualidade
como elemento constitutivo e integrador de maturidade humana necessita ser
cultivada e acompanhada de modo sistemático. A Orientação Espiritual é necessária
para alcançar consistência na fé e suportar as grandes responsabilidades que
dela decorrem.
Reconhecemos
a importância dos acompanhamentos psicoterápicos, não só na integração de
experiências traumatizantes, mas também no autoconhecimento e fortalecimento da
estrutura pessoal que favorece a espiritualidade. Nos itinerários vocacionais o
cultivo espiritual exige capacidade de momentos específicos de oração, silêncio,
solitude e solidão, meditação e contemplação, estes e outros, são elementos
próprios constitucionais na VRC e imprescindíveis para manter a consistência e o
sentido sempre renovado e continuado. Há, no entanto uma dimensão desejada e
temida, que é a solidão. A experiência mostra que é nesta capacidade de viver a
solidão e permanecer na solitude, que a pessoa opta pela vida, por causas e por
Deus. É na solidão dela mesma, nela e com Deus que ocorrem as grandes decisões,
mas também a solidificação vocacional. Seria o que Winnicott afirma quando fala
em experiências fundantes da existência que acontecem essencialmente na solidão,[10]
p. 100.
Pessoas integradas são pessoas livres e abertas ao mais.
Pessoas sem ânimo, pouco criativas, sem expressão de alegria, vivem a vida de
modo fragmentado e na VRC são as pessoas que apresentam rigidez e pouca
criatividade na vida e missão. Nos casos citados neste ensaio encontra-se o desejo
de sentido e em especial a busca da experiência de Deus. É preciso considerar
que consagrados/as são pessoas e o estado de vida é o papel que assumem. Para viver este, como caminho de realização
pessoal, fazem processos humanos e de fé e nestes, vão amadurecendo. Isto não
ocorre de modo linear. Muitas vezes, entre luzes e sombras, mas sempre em
ascensão. Em determinado momento de seu itinerário de vida, surge o desejo de
dar um sentido ao seu viver, não se bastam a si, nasce a vocação. Neste momento
pode ser oportuno a participação do Orientador
Espiritual para auxiliar no discernimento,
perfil assim delineado por Pe. Quevedo[11]:
Deve ser uma pessoa de fé e
confiança em Deus, com suficiente conhecimento das Escrituras e dos diversos
métodos de oração; ter consciência de ser instrumento de Deus para ajudar o
exercitante; saber criar um ambiente de acolhida, bondade e empatias, que
inspire confiança e facilite a comunicação profunda; ser capaz de compreender e
respeitar a situação humana do exercitante, sem julgá-lo nem condená-lo, mas estar
mais disponível para escutar do que para dar conselhos.
Embora o conceito acima seja pensado para quem acompanha
pessoas em retiros, conforme Exercícios Espirituais de Santo Inácio, o perfil
descrito aplica-se também para o Orientador Espiritual, buscado por quem deseja
crescer espiritualmente na vocação escolhida. Salutar seria se na VRC a pessoa
com suficiente serenidade buscasse enveredar por um caminho espiritual após ter
alcançado um razoável nível de autoconhecimento e ter atingido clareza na opção
vocacional.
O amadurecimento espiritual como o descreve Anselm Grün, é a “centralização
crescente de uma pessoa que vive a partir de um centro dinâmico, e que assim se
transforma, recebendo suas respostas à vida de modo sempre mais centralizado e
também sempre mais coerente na fé no Deus de Jesus”.[12]
É também o que Paulo sobre si e partilha ao escrever aos Gálatas “já não sou eu
que vive, mas é Cristo que vive em mim.” (cf. Gl 2,20). Podemos agora pensar maturidade psicológica,
considerando que o parâmetro de “adultez” de um comportamento verifica-se no
grau de independência em relação aos desejos orgânicos e motivações arcaicas e
regressivas entre os quais nasceu. E ainda considerar de que a pessoa adulta
não está irremediavelmente presa a motivações e vivências do passado. Pode
ancorar-se em motivações “contemporâneas”, isto é, ao que vive e a encanta no
tempo atual, e não somente questões arquivadas no inconsciente infantil[13].
Maturidade Espiritual é a capacidade
de viver e existir na solidão e em relação. Centrar-se em si para
descentrar-se, estabelecer vínculos significativos e duradouros com os outros,
com Deus e a instituição a que pertence e dar-se na missão que lhe é confiada.
A Orientação Espiritual é necessária em toda vida porque o
amadurecimento espiritual é um caminho do Espírito e este é sempre inacabado,
surpreendente e novo. Enquanto que a
psicoterapia é pontual, muito necessária e benéfica para determinados “trechos”
do processo de amadurecimento humano que favorecerá a maturidade espiritual. A
Orientação Espiritual tem sua fonte na teologia e pneumatologia, enquanto a
psicoterapia a tem nas ciências. Não é possível determinar em que etapa da vida
e em que etapa de formação a psicoterapia é mais benéfica, pois depende da necessidade
e a maturidade ou imaturidade, consistência e inconsistência de uma pessoa são
múltiplos fatores em questão. Enquanto que a Orientação Espiritual é salutar
que faça parte desde o inicio da caminhada formativa e se estenda para a vida
toda, porque a VRC é um estado de vida humano direcionado e enraizado na fé em
Cristo.
Os relatos confirmam que a experiência do cuidado humano
favorece o autoconhecimento, e a confiança humana é base para a fé. É pela via
da face humana de cuidado, seja pela psicoterapia ou Orientação Espiritual, que
Deus se revela e ao mesmo tempo continua sendo mistério. Aquilo que é tocado
pelo rosto humano de outrem se transforma em transcendência, afirma Genaro.
Em síntese, Orientação Espiritual e Psicoterapia são caminhos
para viver e plenificar nossa humanidade. O amadurecimento espiritual dá-se em nosso
processo de humanização. Portanto, um meio não se sobrepõe a outro. Suas técnicas
e os profissionais facilitam a vida por meio de recursos distintos. Em certos
momentos, se complementam, em outros, a psicoterapia vem antes da Orientação Espiritual.
Ambos objetivam ajudar pessoas a amadurecer e alcançar a transcendência que
plenifica. A psicoterapia faz perceber como somos, enquanto que o cultivo da
espiritualidade nos aponta em que nos podemos tornar. Na psicoterapia a pessoa
traz a consciência suas fragilidades e dores, na espiritualidade encontra o
sentido das mesmas e se fortalece para viver com elas e transcende-las. Nem o
terapeuta nem o Orientador Espiritual pautam o atendimento na moral, mas adotam
a escuta e acolhida amorosa. O psicoterapeuta pode ser comparado ao cuidador do
terreno humano aonde vai identificando as ervas daninhas que sugam forças e
sufocam as sementes, enquanto o Orientador Espiritual zela para que a semente
da vida encontre o Sol, germine e permaneça na Luz. Na psicoterapia identifica-se
o dissonante, na Orientação Espiritual discerne-se e afina-se o ser –
solidifica a estrutura para que a construção da vida seja edificada sobre a
Rocha. A psicoterapia ajuda a identificar, reconhecer e despedir, a Orientação
Espiritual identifica, reconhece e acolhe os fatos da vida a luz da fé cristã. Psicoterapeuta e
Orientador Espiritual, ambos são instrumentos para facilitar a vida e mantê-la consistente
e bela segundo o projeto do artista Maior, nosso Deus Criador.
Referências
BARRY, William A.; CONNOLLY, William
J. A prática da Direção Espiritual.
São Paulo: Loyola, 1999.
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M. Psicologia e vocação. São Paulo: Ed. Paulus, 1994.
CENCINI,
Amadeo. Vida Consagrada itinerário
formativo no caminho de Emaús. São Paulo: Paulus, 1994, p. 19.
CORDIOLI. Volpato Aristides. Psicoterapias: abordagens atuais. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas,
1998.
CORTI, Renato; MOIOLI, Giovanni;
SERENTHÁ, Luigi. A direção espiritual
hoje: discernimento cristão e comunicação interpessoal. São Paulo:
Paulinas, 2005.
GENARO
Junior, F. Clínica do envelhecimento:
concepções e casos clínicos. São Paulo: Todas as musas. 2013.
GRÜN, Anselm. SARTORIUS, Christiane Amadurecimento espiritual e humano na vida
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______. Mística: descobrir o espaço interior. Petrópolis: Vozes, 2012.
GONZÁLEZ-QUEVEDO, Luís. A
arte do acompanhamento espiritual. Itaici - Revista de Espiritualidade
Inaciana. São Paulo, n. 37, p. 3, set. 1999.
MORO,
Ulpiano Vázquez. A nova imagem do
orientador espiritual e a sua função. Itaici - Revista de Espiritualidade
Inaciana, p. 23-40, set. 2006.
______. Direção Espiritual: Sabedoria para um caminho de fé. 2ª ed.
Petrópolis: Vozes, 2008.
VALLE, Edenio. Psicologia e
Experiência Religiosa. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2008.
[1] Ao longo do texto utilizarei da
abreviatura VRC para me referir a Vida Religiosa Consagrada.
[3] As pessoas depoentes que foram utilizadas nesse ensaio tiveram
suas características pessoais alteradas a fim de se preservar suas identidades.
Assim nomes, idades, sexos entre outras informações sobre a pessoa são
ficcionais cumprindo todas as prerrogativas éticas em voga na pesquisa com
seres humanos, assim como tiveram seu consentimento para uso para pesquisa.
[4]CENCINI, Amadeo. Vida Consagrada itinerário formativo no
caminho de Emaús. São Paulo: Paulus, 1994, p. 19.
[5] MORO, Ulpiano Vázquez. A nova
imagem do orientador espiritual e a sua função. Itaici - Revista de
Espiritualidade Inaciana, p. 23-40, set. 2006.
[7]
CORDIOLI,
Volpato Aristides. Psicoterapias:
abordagens atuais. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
[8] CORDIOLI, Volpato Aristides. Psicoterapias: abordagens atuais. 2ªed.
Porto Alegre: Artes Medicas, 1998, p. 19.
[9] GRÜN
Anselm, SARTORIUS Christiane. Amadurecimento
espiritual e humano na vida religiosa. São Paulo: Paulinas, 2016, p. 13.
[10] GENARO JUNIOR, Fernando. Clínica do envelhecimento: concepções e
casos clínicos. São Paulo: Todas as musas. 2013, p. 100.
[11] GONZÁLEZ-QUEVEDO, Luis. A arte do acompanhamento
espiritual. Itaici - Revista de
Espiritualidade Inaciana. São Paulo, n. 37, p. 3, set. 1999.
[12] SCHALLER in: PraktlexSpir, p. 336s apud Christiane
SARTORIUS, Anselm Grün. Mística:
descobrir o espaço interior. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 14.
[13] VALLE, Edenio. Psicologia
e Experiência Religiosa. 2ªed. São Paulo: Loyola, São Paulo, 2008, p.
91-92.
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FACULDADE JESUITA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
Curso de Pós-Graduação Lato Senso em Espiritualidade Cristã e Orientação Espiritual (ECOE)
Titulo do Ensaio: Orientação Espiritual e Psicoterapia - caminhos para o crescimento humano e espiritual no processo formativo.
Orientador: Prof. Dr. Fernando Genaro Junior
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Aluna: Maria Beatriz Mohr
Data: 30 de maio de 2017
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