ORAÇÃO COMO RELACIONAMENTO INTEGRADOR
A elaboração deste texto busca refletir sobre a integração do ser humano a partir de uma espiritualidade centrada na oração, através de um encontro pessoal com Jesus Cristo e pela contemplação de sua vida e ensinamentos, encontrar luzes para a própria vida e realidade onde a pessoa se encontra inserida.
No primeiro capítulo começamos olhando o desenvolvimento histórico do acompanhamento espiritual que ao chegar a Santo Inácio de Loyola passa a ser no nível do crescimento espiritual e do discernimento da vontade de Deus para a vida da pessoa.
Sendo a história humana uma história sagrada, rezar a partir das Sagradas Escrituras nos faz experimentar a ação de Deus por toda história da salvação, a Aliança de amor que Ele realiza com seu Povo eleito e que se concretiza em Jesus Cristo, a nova e eterna aliança do Pai. Jesus assume a história humana para salvar seu povo e transmite uma espiritualidade que liberta e integra a pessoa em todo seu ser. Essa consciência faz com que a pessoa permaneça atenta a essa presença encontrada na experiência de Israel e nos Evangelhos de modo especial onde se aprende a rezar com Jesus, que vivia em comunhão com o Pai e demonstrava a necessidade de silêncio, de oração e uma profunda confiança no Pai.
Refletiremos um pouco ao longo do trabalho sobre a metodologia dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio, que contribui no processo de oração e na identificação com Jesus Cristo.
O segundo capítulo apresenta os dinamismos de desintegração e fragmentação existente nas sociedades e que nos afetam, podendo mesmo influenciar nossa existência e nos desintegrar. Trazer essas realidades para a oração, confrontando com as experiências sociais, políticas e religiosas em que viviam o povo de Israel no tempo em que Jesus viveu. Como Ele enfrentava as situações de exclusões que impediam as pessoas de viverem com dignidade, não muito diferente dos nossos tempos em que a ganância, o poder, o dinheiro, que fazem parte de uma minoria de indivíduos, destruindo tantas vidas pelo mudo afora.
O autor Albert Nolan apresenta as realidades que desintegram nossas sociedades e Benjamín Gonzáles Buelta ajuda percorrer o caminho de desintegração e fragmentação que parece não ter volta. Como o individualismo, os enriquecimentos ilícitos causam exclusões e morte por tantos lugares no mundo, fragmentando sociedades, culturas e indivíduos. No entanto a experiência com o Deus da Vida, em Jesus Cristo é fonte de integração e contribui para que nossa oração seja encarnada na realidade e nos dá o sustento para mantermos a fé e a esperança.
Jesus também experimentou junto com seu povo o peso imposto pelas autoridades civis e religiosas, e como se colocava junto aos excluídos de todas as condições sociais, pobres e ricos, doentes, mulheres, crianças, samaritanos, estrangeiros, como também os pecadores públicos, cobradores de impostos e prostitutas. As atitudes de Jesus de acolhimento, compaixão, curas e de modo especial quando são realizados nos sábados; de colocar-se junto aos excluídos e de não seguir as leis que destruíram a vida e a dignidade do povo, fazia dele um subversivo frente as autoridades, a quem enfrentava sem temor. Sua vida e missão revelavam o Amor de Deus, seu Pai e seu Reino de Justiça e de vida plena. Acolher esse ser de Jesus comprometia aos seus seguidores a terem a mesma atitude, seja seus primeiros seguidores quanto aos que em todos os tempos buscam segui-lo. Seguir Jesus Cristo, ser humano, filho de Deus encarnado, pessoa integrada em seu ser, faz com que a pessoa orante sinta essa necessidade de um autoconhecimento e a oração é uma forma da pessoa conhecer-se internamente, ter consciência de si e, olhando, contemplando a pessoa de Jesus, deseja e busca uma identificação com Ele, viver uma conversão contínua, que nos ajuda na consciência de que também somos filhos (as) de Deus e como Jesus, busca em tudo a sua vontade.
No terceiro capítulo veremos como o encontro com Jesus nos proporciona viver o amor segundo o coração de Deus, seu Pai, que amou primeiro. Quem faz a experiência de oração com os Exercícios Espirituais (EE) inacianos é convidado a pedir a graça do conhecimento interno de Jesus e esse conhecimento integra a vida de quem crê. Veremos o lugar que o Espírito Santo ocupa nos EE. Sob a luz e a inspiração do Espírito Santo, os discípulos de Jesus, tendo-O recebido no dia de Pentecostes, foram revestidos como Jesus Cristo lhes prometera. O Espírito Santo os restaura e os faz testemunhas do Senhor Jesus e a anunciá-lo com destemor.
O encontro com Jesus Cristo proporciona a cada pessoa a fazer a experiência de se sentir filho (a) muito amado, nos faz encontrar o verdadeiro sentido da vida, que é viver em comunhão uns com os outros, restaurados pelo Espírito Santo, dom do amor do Pai e nos faz viver uma fé comprometida com todas as pessoas em todos os tempos e lugares.
1. O PROCESSO DO ACOMPANHAMENTO ESPIRITUAL
O Acompanhamento Espiritual (AE) é algo característico do cristianismo. Em cada período histórico há mudanças de paradigmas na espiritualidade e no acompanhamento espiritual. É uma prática antiga na história da humanidade, segundo Padre Spencer Custódio Filho (1999, p.44); remonta ao século IV a.C. e acompanhou o desenvolvimento das sociedades civis e religiosas, passando pela filosofia, mas com maior ascensão na vida religiosa. Muito foi e é escrito sobre este tema. “A direção espiritual representa, de fato, um aspecto fundamental do modo em que a tradição cristã foi se promovendo e organizando o caminho individual e coletivo rumo à perfeição e à santidade.” (COSTA,2016,p. 5). A orientação espiritual, como também é chamada o AE, é encontrada desde a Grécia antiga e passa por várias etapas com os Padres do deserto, o monaquismo, o período medieval, catolicismo tridentino, pós tridentino, até nossos dias (pós concílio Vaticano II) na espiritualidade da vida da Igreja, junto aos padres, leigos e religiosos.
Vale a pena destacar que o acompanhamento era apenas visto como orientação espiritual e exercida exclusivamente por homens, conhecidos por muito tempo como pais espirituais. Mas no contexto anglo-saxão dos séculos VII e VIII se destacou o papel feminino onde as mulheres tinham uma atuação importante na sociedade, e passou-se a exercê-la nos mosteiros.
Hildegarda de Bingen, no século XII, teve uma grande atuação na direção espiritual, na sua maioria por correspondências para pessoas em toda Europa. (COSTA, 2016, p. 113-115).
Com Santo Inácio (1491-1556), que passou por um processo de conversão pessoal, surgiram os Exercícios Espirituais (EE). A orientação passou a ser no nível de crescimento espiritual, a partir de uma oração discernida na busca da vontade de Deus para a vida da pessoa. Dentro de um processo metodológico de oração a pessoa orante faz uma experiência de se sentir um pecador amado e redimido por Deus e convidado a contemplar e seguir os passos de Jesus Cristo. Partilhando sua vida de oração com alguém espiritual, que ao ouvi-la, ajuda-a a fazer uma leitura da vida a partir da ação de Deus em si mesma, nos acontecimentos concretos da realidade onde está inserida, na ordenação de sua vida e seus afetos. A ordenação da vida e dos afetos é o pressuposto dos Exercícios Espirituais de Sato Inácio. (EE 21).
Os Exercícios Espirituais são divididos em semanas, não em tempo cronológico, mas a partir do processo de cada exercitante. A Primeira Semana é uma oração de conversão, semana onde se reza o estado de pecado e um chamado à conversão. A Segunda Semana dos EE começa com um chamado a fazer parte do Reino de Deus para aquele que deseja uma vida nova e continua com as contemplações dos mistérios da vida de Cristo de seu nascimento até o Jantar em Betânia. Neste momento dos EE a pessoa faz a experiência de sentir-se chamada por Jesus para segui-lo em sua missão. A Terceira Semana contempla a paixão e morte de Jesus, onde acontece uma configuração com o Cristo, servo sofredor. E a Quarta Semana a contemplação de sua Ressurreição até a Ascensão ao céu. Contemplando os mistérios da vida de Cristo a pessoa é chamada como Ele e procurar e encontrar a vontade de Deus para a própria vida.
1.1 Atenção ao momento existencial e espiritual
1.1 Atenção ao momento existencial e espiritual
Cada pessoa que busca um acompanhamento espiritual o faz no desejo de fortalecer sua experiência de fé, seu crescimento na vida espiritual, seu conhecimento de Deus, a vontade de Deus para a própria vida.
Toda experiência de fé é uma história sagrada. História do ser humano, dotada de potencialidades, dons e limites, que como a história do Povo de Deus, que encontramos na Sagrada Escritura, um povo que faz uma experiência de aliança, de amor com seu Deus criador, mas que pela desobediência se afasta Dele. Longe sofre, se arrepende e volta. E Deus em sua infinita misericórdia refaz sua aliança com seu povo. (Jr 31,31-33). Com Jesus, Deus realiza a nova e eterna aliança com seu povo. Jesus chamava ao arrependimento e à conversão, como nos apresenta Marcos no inicio de seu Evangelho, “Arrependei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15b). Lucas, no capítulo 15,1-32, na parábola de filho pródigo revela como Deus Pai acolhe os que se convertem e se arrependem.
Essa história se repete em todos os que buscam uma vida no Espírito. Por isso conhecer a história do Povo de Deus, sua experiência de fé, de infidelidade e por outro lado, como Deus não desiste desse povo, ao contrário, exorta, anima, perdoa, conduz. Principalmente conhecera espiritualidade de Jesus Cristo, seu projeto de vida e de amor ao próximo, que Ele transmite com sua própria entrega de vida com amor incondicional, gratuito, compassivo e misericordioso do Pai pelo seu Povo. A história de todo cristão, como a do Povo eleito de Israel, é uma história fundamentada na graça divina.
Nos dias atuais a realidade sócio-político-cultural influencia nosso viver, nosso agir. No mundo onde o individualismo e o consumismo torna tudo descartável, até mesmo os relacionamentos humanos estão comprometidos. Somos bombardeados com notícias, na sua maioria negativa, em torno das sociedades nacionais e internacionais, guerras, terrorismos, corrupções políticas e tantas formas de injustiças sociais que esmagam a vida do povo pobre e sofrido. E mais próximo, os conflitos familiares e econômicos, relacionais. A espiritualidade do cristão “é um processo de transformação pessoal e social, uma caminhada” (NOLAN, 2003, p.137). Todo o nosso ser corporal, psíquico e espiritual sofre essas influências. E, a nível espiritual, um processo de acompanhamento contribui para a integração de nosso ser.
1.2 Oração como suporte para o caminho.
1.2 Oração como suporte para o caminho.
É possível dizer que ter fé é rezar orações devocionais, participar dos Sacramentos e tudo o mais que diz respeito à vida espiritual. Mas, se não há atenção ao Senhor a quem se dirige na oração, não há uma experiência de presença. Assim, é possível definir a “oração como um relacionamento consciente.” (BARRY,1995, p. 17).
Todo o ser reza: a memória, vontade, inteligência, sensibilidade. Ao rezar a pessoa se faz presente ao Senhor com o corpo e o espírito, ou seja, com todo o seu ser. Assim pode-se ouvi-Lo, senti-Lo, falar-Lhe e ouvir-se a si mesmo, sentir-se, perceber-se na sua realidade.
A oração é comunhão de sentimentos, desejos, atitudes, semelhanças em todos os sentidos. Consciência de que se é criado por Deus e para Deus; sua imagem e semelhança, filha e filho muito amados... Essa consciência atenta faz a pessoa ser livre e identificada com Jesus Cristo e querer fazer em tudo a vontade do Pai. Não se conhece plenamente essa vontade, mas na oração procura-se aprender de Jesus como ser filha, filho, segundo o coração de Deus. Jesus buscou na oração a força, a proteção e a vontade do Pai nos momentos derradeiros de sua vida: “Pai, se queres, afasta de mim esse cálice!” (Lc 22,42). Esse Deus que é Pai amoroso e compassivo, que ama gratuitamente, que conhece cada ser que criou por amor, para amar e ser feliz, para viver em plenitude. E Jesus ensina pela sua atitude orante como seus seguidores podem fortalecer sua vida de oração. Nolan apresenta de forma profunda como Jesus cultivou sua vida de oração apesar da imensa atividade diária durante sua missão entre nós. “Jesus parecia sentir uma profunda necessidade de silêncio e solidão.” (NOLAN, 2013, p.140). Várias passagens dos evangelhos o demonstram: (Mc 1,35; 9,2; Lc 6,12; 11,1).
Encontramos em Filipenses 2,5: “Tende em vós o mesmo sentimento de Cristo Jesus”. Como ter o mesmo sentimento de Jesus sem conhecê-Lo? As Sagradas Escrituras nos revelam o Senhor: “Eu sou o Deus de teus pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó” (Ex. 3,6). E o povo de Israel experimentou conscientemente a presença de Deus que o conduziu ao longo da história e essa revelação se concretiza em Jesus Cristo, como encontramos no Evangelho de João: “Ninguém jamais viu a Deus: o Filho unigênito, que está no seio do Pai, este o deu a conhecer” (Jo 1,18). E no discurso de Jesus com seus discípulos no capítulo 14 de João encontramos Jesus se revelando como o Caminho, a Verdade e a Vida que leva ao Pai. E Jesus afirma: “quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9). Os discípulos não entenderam o que Jesus lhes estava revelando, ainda esperavam a realização de um projeto puramente humano de libertação contra a dominação romana. Só após a ressurreição de Jesus, o Espírito Santo abriu-os para esta graça do conhecimento do seu Senhor.
Assim, rezando às Sagradas Escrituras, a pessoa de oração é também conduzida pelo Espírito e passa a conhecer o Senhor, Àquele que dá sentido a sua vida. Nele o processo dos EE se desenvolve.
1.3 Ouvinte atento
A oração requer atenção ao Senhor que fala no silêncio do coração. “Através do silêncio e da oração devemos voltar-nos para nosso interior e penetrar nesse lugar no qual descobrimos com Deus, toda riqueza de nossa vida” (GRÜN, 2001, p.73).
Ao partilhar sua experiência espiritual, a pessoa sente necessidade de compreender essa experiência e através da partilha da oração, é possível fazer um discernimento do processo interior, uma vez que a pessoa está sendo conduzida pelo Espírito Santo e este a impele a um crescimento na intimidade com o Senhor. “Santo Inácio utiliza uma série de instrumentos, de práticas, para ajudar o discernimento, mas também nos ajuda a assimilar as atitudes evangélicas que nos possibilitam ser sempre sensíveis para sentir, e disponíveis para executar a novidade de Deus” (BUELTA, 2007, p. 206).
Acompanhante e acompanhado fazem juntos a experiência de ouvir e a estar atentos a voz do Senhor que lhes fala e se comunica através da partilha da oração. Veremos a seguir a importância do acompanhante, ou orientador espiritual na caminhada de discernimento do acompanhado. Para os estudiosos da espiritualidade inaciana, não resta nenhuma dúvida sobre essa necessidade, até porque foi uma orientação dada por aquele que experimentou pessoalmente essa forma de relacionamento, Santo Inácio.
1.3.1 O acompanhante
O papel do acompanhante é ser mediador entre Deus e a pessoa que partilha a oração e deve estar atento ao momento existencial e espiritual com uma atitude de fé, de respeito pela ação de Deus em seu acompanhado.
Em relação ou momento existencial, fica atento ao processo do acompanhado que busca encontrar o sentido da vida; no momento espiritual, percebe se a pessoa busca uma opção de vida, de crescimento na busca de Deus para um crescimento na fé, escolha de ministério ou algum outro apelo, no desejo de fazer a vontade de Deus.Ajuda a pessoa a levar para a oração todos os acontecimentos e situações concretas da vida e o auxilia a discernir a vontade de Deus.
A oração é um diálogo com Deus, um colóquio, termo usado por Santo Inácio que acontece ao longo da oração, e que se intensifica ao terminar cada momento de oração (cf. PALAORO, 1992, p. 84-85). Isso se repete ao longo das Semanas dos EE, como por exemplos nos EE números 53, 54, 63 e 71, da primeira Semana; nos EE números 109 e 117, da Segunda Semana; no momento da eleição, EE número 147, ele propõe o tríplice colóquio: a Maria, ao Filho e ao Pai. E, na Terceira semana, no número 198. Em uma nota de rodapé do livro dos EE, encontramos uma explicação dizendo que, o colóquio ou diálogo é o ponto alto da oração, pois expressa nossa total presença perante o Senhor (cf. EE 53, nota 43). Esse diálogo com Deus possibilita à pessoa que reza dialogar com seu acompanhante que por sua vez,também estemantém uma vida de oração e de diálogo com Deus.
Dentro dos EE, o acompanhante é alguém que também faz a experiência de oração no processo dos EE, faz a experiência de ser acompanhada através de uma partilha de supervisão e deixa-se orientar e conduzir pelo Espírito de Deus. Busca uma configuração com a pessoa de Jesus Cristo. Com humildade se coloca a serviço do Senhor para ser colaboradora (o) em sua ação salvífica na vida da pessoa que lhe é confiada para ser acompanhada espiritualmente.
1.3.2 O acompanhado
O acompanhado é alguém que busca ajuda para ouvir melhor o que o Senhor deseja lhe comunicar através de sua experiência de vida, dos acontecimentos, dos seus anseios e desejos mais profundos e discernir sua vontade. Alguém que como os discípulos sentam-se ou caminham ao lado do Mestre Jesus para aprender Dele. Junto com seu acompanhante ouvem a voz do Senhor que se lhes revela ao partilhar a própria experiência de uma vida de oração. A pessoa que partilha a oração, assim como faziam os discípulos de Jesus, escuta o Mestre. Como Maria aos pés de Jesus em Betânia, (cf. Lucas 10, 38-42). Como também no sermão da montanha no capítulo cinco do Evangelho de Mateus. Jesus estava sempre ensinando aos discípulos como deveriam agir, seja falando particularmente com eles ou contando parábolas aos que o buscavam, ou ainda curando os doentes, debatendo com os fariseus, participando de refeições, buscando descanso junto aos amigos de Betânia, ou mesmo em oração, como muitas vezes os discípulos o encontravam (Mc 1,35-36). Eles estavam sempre atentos ao ser e ao agir do Senhor Jesus. Fazendo os EE, a pessoa confronta a própria vida com a contemplação dos textos bíblicos rezados. Um misto de sentimentos de consolação e desolação são experimentados e a leitura desses sentimentos possibilita discernir a vontade de Deus para sua vida. Tendo rezado o Princípio e Fundamento no início dos Exercícios (EE 23), a pessoa faz uma experiência de sentir-se criada por amor e para amar,por seu Deus criador e essa experiência é a porta para a conversão. Ao sair dos Exercícios (EE 230-237), ela é convidada a fazer a experiência de experimentar este amor Nele e em toda a criação. A escuta e o diálogo são os caminhos dessa experiência de oração.
Rezar a partir dos EE, dos Evangelhos e perseverar na vida de oração faz com que a pessoa que reza tenha elementos para manter-se integrada em um mundo fragmentado e afastado de Deus.
2. OS DINAMISMOS DE DESINTEGRAÇÃO
Rezando a partir dos Exercícios Espirituais, dentro de um Retiro ou no dia a dia da vida, a pessoa orante encontra na própria dinâmica da vida elementos para uma integração pessoal e um aumento de fé, iluminada pela Sagrada Escritura e no desejo de viver segundo os ensinamentos de Jesus Cristo.
O homem e a mulher de hoje estão fragmentados, desintegrados por fazerem parte de uma sociedade desigual que desumaniza, individualiza, causa inseguranças às pessoas e, acabam buscando essa integração em situações, lugares que os desintegram ainda mais: o barulho, o ruído, o desencanto, os objetos tecnológicos, os prazeres, às drogas, à bebida às preocupações e tentos outros elementos que nos afastam do sentido da vida. Só Deus pode preencher o vazio que o ser humano sente.
Quando é capaz de se perguntar: qual a minha busca e encontra essa resposta no Único que pode integrá-lo, Jesus Cristo, então sua vida ganha um novo sentido. Discernir essas forças à luz da história da salvação é essencial para a integração humana. E a metodologia inaciana nos ajuda a discernir a vontade do Pai para nossas vidas, a exemplo de Jesus Cristo que buscou em tudo fazer a vontade do Pai. O coração humano deseja o bem e como Jesus deseja a justiça, o bem do outro. Assim sendo, rezar essa realidade nos coloca em sintonia com Ele, o Senhor da Vida.
2.1 As forças desintegradoras
O ser humano criado à imagem e semelhança de Deus, carrega em si os atributos de seu Deus criador. É criado para amar e ser amado. Como diz Santo Inácio: “O ser humano é criado para louvar, reverenciar e servir a Deus nosso Senhor e, assim, salvar-se.” (EE 23). Mas traz em si “uma inclinação constitutiva para o mal... esta inclinação para o mal é fecundada, por um lado, por tudo o que nos feriu ou enfraqueceu no passado.” (CABARRÚS, 1998, p. 16). Não apenas isso, mas outros elementos também o influenciam como traumas e também o mau uso da liberdade.
Muitas outras forças que desintegram a pessoa tirando-a do seu eixo e fazendo-a perder o verdadeiro sentido da vida e a faz enveredar por caminhos que a levam a solidão, a dor, a morte.
Nolan apresenta elementos como um regresso ao passado que nos afetam, como por exemplo o fundamentalismo através dos dogmas religiosos, “fundamentalismo muçulmano, cristão, hindu, judeu”. Que leva a uma “dependência de uma autoridade que forneça verdades absolutas”. (NOLAN, 2008, p. 29). Exemplo disso são os terrorismos, onde pessoas cometem suicídios, como homens bombas, cometendo destruições em massa, com grandes números de vítimas. E talvez a maior força desintegradora seja a falta de fé, da esperança e do amor em si mesmo e ao próximo. Um olhar sobre as adversidades à luz do Evangelho é um caminho de discernimento, que pode ajudar tanto a vida espiritual quanto em todos os aspectos da vida humana. As sociedades atuais sofrem as influências das decisões tomadas no passado, mas ainda hoje aqueles que têm a missão de governar, de criar leis, normas para a vida social, são dominados pela sede de poder e acabam sendo verdadeiros inimigos e autores de tantas barbáries que afetam e destroem tantas vidas (NOLAN, 2013, p. 30).
Em sua obra “Orar em um mundo fragmentado”, Benjamín Gonzáles Buelta, ajuda a percorrer este caminho de desintegração que parece não ter volta, a menos que se faça uma experiência com o Deus da Vida, o Deus de Jesus Cristo, que nos faça sentir como filhos, irmãos. Ele nos mostra a partir da cura do geraseno (Mc 5,1-21), as forças do mal que desintegram a pessoa humana, impedindo-a de viver na liberdade dos filhos de Deus. Buelta diz que muitas doenças psicológicas afetam numerosas pessoas e que a que a depressão será a de maior incidência nos Estados Unidos futuramente. Comenta das feridas adquiridas na infância, que, quando não curadas levam a mecanismos de desintegração; os desajustes da espiritualidade que “nos atravessam como dinamismos que nos removem intensamente”. (BUELTA, 2007, p. 33).
Assim, demonstrando uma liberdade absoluta, Jesus se aproximou do geraseno e o liberta de todo o mau que o mantinha desintegrado da sua humanidade, hoje Ele se apresenta do lado dos que sofrem e esperam por libertação. O geraseno era, como muitos do seu tempo, em Israel, bem como em toda história desse povo, aquele pobre atormentado pela política dos dominadores que sugavam os moradores com altos impostos. Como vemos em Eclesiastes 5,7-10, aqueles que trabalham de sol a sol não tem direito do fruto do seu trabalho, pois este é destinado ao rico. O que Neemias ilustra bem no seu capítulo 5, 1-5: o agricultor, não tendo como pagar tantos impostos, acaba perdendo a família e todos os seus bens. Resta-lhe mendigar. Muitos perdem a saúde, ficam “endemoniados”, como o pobre geraseno.
Jesus acolhe aquele homem com amor, cura-o devolvendo sua dignidade humana e fazendo dele portador de esperança para os que em sua cidade encontram-se na mesma situação (cf. BUELTA, 2007, p. 22).
2.1.1 Tristezas e angústias do mundo de hoje
Vivemos inseridos na vida de sociedade e trazemos para a oração a vida como um todo, o que nos toca pessoalmente, mas também o que nos afeta em relação ao bem do outro. E, uma oração de comprometimento, nos anima às ações concretas, como as de Jesus Cristo.
A Primeira Semana dos EE (EE 45-72), nos leva a rezar também situações de estruturas do pecado pessoal e social que nos afastam do projeto do amor criador do Senhor da Vida, pecados que causam tantos sofrimentos! Somos convidados a rezar o pecado do mundo, pois também fazemos parte desse mundo de sofrimento desintegrador à espera de libertação.
O século XX foi palco de grande sofrimento, duas guerras mundiais dizimaram e mutilaram muitas vidas; a guerra do Vietnã, a destruição de Hiroshima e Nagasaki; o extermínio de tantos judeus pelos nazistas e tantas outras formas de tiranias e atitudes insanas por ditadores que demonstram total desumanidade. Em um mundo globalizado, onde o capitalismo e o neoliberalismo ditam as regras na nossa pós-modernidade, a vida social como um todo perde seu valor. O capital é mais importante que as pessoas, e este pertence a poucos, fazendo com que a minoria rica fique cada vez mais rica enquanto os pobres ficam cada vez mais pobres; o progresso econômico e politico é o que importa. O acúmulo de poucos faz falta para a maioria das populações dos países emergentes e da Ásia, da África. A mídia apresenta a perversidade da história desumana de nossa época e faz com que os pobres e indefesos percam o sentido da vida ou que não encontre forças para lutar contra a ideologia dominante sócio-politica-econômica que valoriza os que têm posses e excluem aqueles que são suas próprias vítimas. (NOLAN, 2013). Essas realidades debilitam a pessoa física, psíquica e espiritualmente.
A África sofre todo tipo de injustiças que o ser humano pode ser submetido: a extrema pobreza, a fome, a mortalidade infantil, as grandes epidemias, a escravidão, as guerras, os conflitos religiosos. O apartheid que gerou discriminação, preconceitos... E, no entanto, a África é tão rica em minerais, ouro, diamantes, petróleo e tantos outros recursos naturais. Mas a ganância de potencia mundial usufrui dos bens que pertence a estes povos, provocando conflitos e impedindo seu desenvolvimento. Nolan acrescenta que “o que ainda é pior hoje em dia é o número de pessoas que vivem numa pobreza e miséria indescritíveis: milhares de milhões a mais do que no passado...” (NOLAN, p. 56, 2013).
Rezar essa realidade que sofrem tantos irmãos, nos coloca em comunhão com eles e com Jesus Cristo que passou pelo sofrimento redentor para a salvação e libertação de todos; tomar consciência da realidade do mundo onde estamos inseridos ajuda-nos a mergulhar na misericórdia infinita que nos chama a conversão e, faz crescer um desejo de mudança de vida e atitudes frentes a realidade do mundo.
2.1.2 O individualismo
“A nossa identidade depende da família, dos amigos e da comunidade, que se relacionam conosco e com quem nos relacionamos” (NOLAN, 2013, p. 42). É inerente a pessoa humana ser relacional. Ninguém sobreviveria se fosse abandonado sozinho e em situações precárias ao nascer. É na relação com o outro que ela é constituída. Nolan nos diz que só no Ocidente existe uma forte crise do individualismo e que essa realidade é constituída do “ideal cultural do mundo industrializado ocidental” (Ibid., p. 41), onde a pessoa se preocupa com o carreirismo e comprar coisas e serviços. Mas que no restante do mundo isso é incompreensível. Viver sozinha e isolada faz a pessoa infeliz. A questão econômica é uma das causas que gera o individualismo. Nosso autor relaciona o individualismo ao ego, que faz a pessoa viver centrada em si mesma. Os ditadores, centrados em seu ego, cometeram atrocidades ao longo da história da humanidade e sempre trouxeram prejuízo para povos e nações. E o individualismo sempre existiu,o mesmo justifica o enriquecimento ilícito, as corrupções políticas, o direito a propriedade privada, a destruição do meio ambiente, a destruição da terra, o aquecimento global que pode acabar com a vida no planeta. (cf. NOLAN, 2013, p.41-43). O egoísmo destrói a capacidade de amar e ser feliz.
Contrário a este ser individualista, que age através de um ego doentio, Jesus tem uma postura diferente: forma uma comunidade de discípulos, homens e mulheres que o acompanham e aprendem com ele a servir, a perdoar, a partilhar, a amar: constitui uma comunidade de apóstolos, envia os discípulos dois a dois em missão. Ao geraseno curado pede que permaneça na cidade e O anuncie. Nos momentos cruciais de sua vida leva consigo três de seus discípulos, Pedro Tiago e João, na transfiguração e no Horto das Oliveiras. E ressuscitado, aparece aos discípulos reunidos. Assim fez Deus Pai criador, que criou o homem e a mulher dizendo que “não é bom que o homem esteja só.” (Gn 2,18). E depois do Pentecostes Comunidades de seguidores de Jesus Cristo foram formadas, conforme nos Atos dos Apóstolos, nos capítulos 2,42-47 e 4,32-35, que relatam como juntos vivenciavam sua experiência de fé e comunhão de vida.
2.1.3 Sociedade fragmentada e desigual
O ser humano é um ser de relações. A pessoa nasce dentro de um grupo social. E desde a vida em família se aprende a amar, a querer o bem dos outros, a dividir, a partilhar. E a oração é o meio primordial desse relacionamento com o outro. Através da oração levamos a Deus à realidade pessoal e social em que vivemos.
Desde o início da história da humanidade encontramos situações que mostram como a limitação humana desfaz o plano de amor que Deus tinha para seus filhos. “Ao contemplar a sua obra Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 2,4). No entanto, Caim matou seu irmão Abel (cf. Gn 4,1-16).
“As estruturas de poder que dominam o mundo têm tornado os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres”. (NOLAN, 2008, p. 60). A ganância pelo ter e o poder, e privilégios frente ao outro é uma chaga que desumaniza, divide, discrimina, exclui. “O ímpio tem um oráculo de pecado dentro do seu coração” (Sl 35). Podemos constatar que toda a desigualdade social que nos aflige é fruto da má distribuição de renda encontrada em diversos países, causando conflito entre os povos, como vimos anteriormente. Vemos esse quadro de desigualdade social no Brasil, que gera um processo de exclusão relacionada à moradia, educação, emprego, saúde, entre outros aspectos de direito do cidadão. Situações concretamente visíveis onde bairros são formados por casas, apartamentos, condomínios de alto padrão perto de favelas com suas casinhas simples; escolas públicas em péssimas condições de conservação, próximas a escolas com quadras de esportes, piscinas, e tantos recursos tecnológicos, pedagógicos e humanos de qualidade. Nestas escolas os alunos são preparados para cursarem as melhores universidades, para o mercado de trabalho e a ocuparem cargos públicos e no mundo da política, enquanto os alunos das escolas públicas muitas vezes nem conseguem concluir o ensino médio por precisarem trabalhar ou por falta de recursos e motivação. Bairros de periferia populosos, distantes dos centros, que dificultam a locomoção. O desemprego faz com que tantas pessoas e famílias se desintegrem; na rede pública de saúde faltam recursos e medicamentos necessários. Os médicos se recusam a atender as periferias por falta de segurança e baixa renumeração. Falta de segurança também é o que sofre a população rural e urbana.
São tantas as consequências que sofrem as populações, como a criminalidade, os vícios, as doenças, crianças e adolescentes jogados a própria sorte; presídios e abrigos de menores lotados, famílias esfaceladas... E no campo religioso, as religiões acabam servindo de alienação e muitas vezes as pessoas são enganadas por lhes serem apresentadas um Deus conivente com a situação em que vivem, dentro de uma teologia da retribuição, onde a Sagrada Escritura é usada para enriquecimento ilícito daqueles que anunciam um Deus de acordo com seus interesses particulares. Fundar igrejas tornou-se um empreendimento rendoso. A vida espiritual perdeu-se nesse emaranhado de situações que revelam uma total ausência de Deus.
É necessário meditar sobre tantas situações que ferem a dignidade humana... Há jovens que acabam por ter uma personalidade mal formada, ficam sem rumo. Reproduzem na sua vida adulta o que experenciou na infância e adolescência. Se formarem uma família, passarão pelos mesmos sofrimentos que viveram junto a seus responsáveis (cf. BUELTA, 2007). O profeta Isaías faz uma alegoria mostrando essa realidade. Um agricultor plantou uma vinha e não colheu os frutos desejados. (cf. Is 5,1-7).
Rezar essa realidade de sofrimento que passam os irmãos em tantos lugares do mundo faz com que as pessoas revejam suas opções de vida e passem pela experiência da misericórdia e conversão. Só a certeza do amor misericordioso do Pai pode ser uma força integradora.
Alargar o olhar sobre esta realidade faz-nos observar que nem tudo está perdido e a perceber qual o compromisso que deve ser assumido diante da mesma. Muitos trabalhos sociais e comunitários são realizados por pessoas, entidades, órgãos filantrópicos, buscando soluções para amenizar as consequências das desigualdades e a desvalorização que sofrem as populações mais pobres. Como também estudos, projetos desenvolvidos por organizações, Igrejas, pessoas de boa vontade que desejam fazer com que o verdadeiro sentido da vida seja vivenciado por todos, sem discriminação, no mundo inteiro e em especial nesses lugares onde a vida é ameaçada. São os profetas de hoje (cf. Is 8,11-18).
Rezar a situação do outro, colocar-se em seu lugar, nos afeta internamente e nos faz experimentar aquilo que Paulo diz à comunidade de Filipos: “Tende em vós o mesmo sentimento de Cristo Jesus” (Fl 2,5). Isso faz com que tenhamos para com o outro os mesmos sentimentos que levaram Jesus a dar a vida por cada ser humano.
2.2 Jesus frente aos desintegrados da sociedade
Desde o seu nascimento até sua morte Jesus viveu mergulhado na realidade social do seu povo sofrido. Filho de uma camponesa e de um artesão, Jesus certamente sofreu com seus pais as perseguições dos dominadores romanos que os obrigavam a pagar altos tributos, como também para o Templo. As leis religiosas oprimiam, pois ninguém dava conta de observar 613 preceitos a que foram transformados os 10 mandamentos, e assim eram considerados pecadores por não a observarem, o que segundo eles, fazia com que o povo passasse por todos os sofrimentos e doenças. Mas a atuação de Jesus durante seu ministério, seu relacionamento acolhedor para com os pobres, doentes, pecadores públicos, mulheres, crianças, enfim, para com todos, demonstrava que Ele não estava contaminado pela maldade daqueles que destruíam as pessoas na sua dignidade humana. Jesus enfrenta a realidade vivida junto ao seu povo em íntima comunhão de amor com seu Pai, seu Abbá que lhe dá forças para ser presença integradora para os seus.
Nolan nos diz que “o estilo de vida e os valores do mundo greco-romano estavam sendo adotados pelos ricos e poderosos: os Herodes, os sumos sacerdotes, os anciãos (nobreza) e os ricos proprietários de terra. A maioria deles levava uma vida de corrupção”. (NOLAN, 2013, p. 85). Nada diferente dos nossos dias atuais. Jesus também esperava a libertação política da opressão romana como todos os de sua época. (cf. Ibid., p. 86). O sentimento de compaixão acompanhou Jesus durante sua missão, até mesmo pelos ricos, porque terão dificuldades de viver no Reino de Deus: “aí de vós ricos...” (Lc 6,24). “Ao ver a multidão teve compaixão dela, porque estava cansada e abatida como ovelha sem pastor” (Mt 9,36); “Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de nós...” (Mt 9,27); “Certo samaritano em viagem, porém, chegou junto dele, viu-o e moveu-se de compaixão...” (Lc 10,33). A compaixão deve também ser o sentimento de seus seguidores.
A maneira com que Jesus rebateu o sistema opressor não foi enfrentando os opressores da mesma forma. Seu ensinamento era diferente de tudo aquilo que esperava o povo de Israel: um messias que montasse seu exército para expulsar o dominador. “Nós esperávamos que fosse ele que redimiria Israel...” (Lc 24,21a). Buelta apresenta Jesus como o artesão da madeira e da palavra (cf. BUELTA, 2007, p.117) por ter vivido no meio de seu povo Jesus aprendeu a sua profissão de artesão, aprendeu o risco de plantar e colher, a pescar, o cuidado das ovelhas, os trabalhos domésticos; conhecia as histórias de funcionários corruptos na administração dos bens, a imparcialidade dos juízes; o abandono e desprezo pelos doentes, o descaso em relação ao órfão e a viúva. Vivia inserido na vida de seu povo.
Para cada situação Jesus contava parábolas para sensibilizar a multidão que sempre o buscava com a esperança de serem vistos, compreendidos, curados, amados... E são atendidos: No capítulo nove do evangelho de Mateus encontramos Jesus realizando várias curas como a da mulher hemorroíssa, a filha do chefe da sinagoga, que já havia morrido quando Jesus chegou à sua casa, cura dos cegos, de um endemoninhado mudo e várias outras curas. Marcos apresenta um dia na vida de Jesus no capítulo 1,29-34, junto aos sofredores e doentes. E depois de um dia exaustivo de missão, ainda de madrugada, Jesus retira-se e vai buscar na intimidade do encontro com seu Pai, a força, a luz e, certamente, discernir a vontade do Pai para sua missão. Para Jesus “todas as pessoas têm a mesma dignidade e valor, por isso ele tratava os marginalizados da sociedade com o mesmo respeito como o que era devido aos de posição social elevada” (NOLAN, 2013, p.88). Igualmente, Jesus acolhia crianças, louvando a Deus por ser acolhido pelos simples, como elas; e também se relacionava com as mulheres, atribuindo-lhes a mesma dignidade que os homens: Lc 10, 38-40, Jesus vai à casa das amigas Marta e Maria. E encontramos em Lucas 8,1-3, Jesus sendo acompanhado por mulheres que o serviam em sua missão. E aceitava ser tocado por mulheres consideradas pecadoras (Lc 7, 39).
Em relação às autoridades civis e religiosas Jesus demonstra que não aceita suas ações: No capítulo 23 de Mateus o encontramos desfiando recriminações sobre os escribas, fariseus a quem chama de hipócritas e condutores de cegos; serpentes e raça de víboras por colocares fardos pesados sobre o povo impedindo-os de viver, esquecendo-se de praticar a justiça, misericórdia e a fidelidade que são os mais importantes da lei de Deus. Mostra-se destemido frente a Herodes, a quem chama de raposa (Lc 13,31-33); Não responde às suas provocações durante seu julgamento (Lc 23, 8-9). Jesus agia com liberdade frente a tudo e todos que o sistema dominador condenava. Convidou para fazer parte de seu grupo de discípulos a um publicano (Mt 9,9-13). E depois foi participar de uma refeição em sua casa e outros pecadores e publicanos foram participar da refeição com Jesus e seus discípulos e os fariseus o recriminou, tendo o mesmo acontecido em relação à Zaqueu, o chefe dos cobradores de impostos (Lc 19,7). Jesus responde às acusações revelando que veio salvar os pecadores. Ao transgredir as leis por curar em dia de sábado, os fariseus e herodianos tramam contra sua vida (Mc 3,1-6). Em vários outros momentos Jesus realiza curas nos sábados (Lc 13,10-17; 14,6; Jo 5,18) e os judeus querem matá-lo (Jo 5,18).
Para as autoridades da época de Jesus, sua atuação era de subversão, pois ele colocava-se do lado dos marginalizados. Temiam perder o poder para àquele que era considerado o Rei de Israel: Assim os magos do Oriente o procuram (Mt 2,1-18). Pilatos interroga Jesus acerca de seu reinado. (Jo 18,33-37). Os chefes dos sacerdotes, os anciãos do povo, junto ao Sumo Sacerdote decidem matá-lo. (Mt 26,3-5). Mas Jesus permaneceu do lado dos desintegrados da sociedade amando-os “Até o fim”. (Jo 13,1b). Diz Buelta que “As autoridades viram em Jesus uma ameaça. Torturaram, seu corpo e o pregaram na cruz. Mas Deus ressuscitou Jesus, e nesse corpo ressuscitado nos releva o destino de todo o corpo humano.” (BUELTA, 2007, p. 68).
Jesus foi fiel até ao fim no desejo de fazer com que o Reino de Deus seu Pai se concretizasse. Só após sua morte e ressurreição seus discípulos, impelidos pelo Espírito Santo, compreenderam a missão de Jesus, que anunciou com a própria vida a vontade salvífica do Pai para a humanidade. Como seus seguidores de hoje, precisamos conhecer a Jesus em sua humanidade, conhecendo nossa própria humanidade e missão no mundo.
2.3 O autoconhecimento como necessidade
Como conhecer a Jesus Cristo e a vontade do Pai para a própria vida, sem conhecer sua própria humanidade, sem conhecer-se internamente? Santo Inácio de Loyola pede para se fazer o pedido de graça na Segunda Semana dos EE: “Pedi conhecimento interno do Senhor que por mim se fez homem, para que mais o ame e o siga” (EE. 53). Em nossa oração devemos pedir a mesma graça para nós mesmos, pois ao conhecer nossa humanidade, assim conheceremos a humanidade do Homem Jesus de Nazaré, o Senhor em quem cremos.
A oração é uma forma de a pessoa encontrar-se consigo mesma, ter consciência de si,
Escutar seu verdadeiro ser, entrar em contato com as necessidades mais intimas, confrontar com a verdadeira identidade, encontrar a via que conduz ao próprio eu, ao verdadeiro núcleo pessoal que significa: sou chamado por Deus pelo meu nome... sou uma palavra que Deus diz dentro de mim... Deus já falou através de minha existência. (GRÜN, 2001, p. 32-33).
Só a oração pode dar este nível de conhecimento. Nolan apresenta alguns elementos que são importantes no autoconhecimento, exemplificados pelo próprio Jesus, como o observar a trave dos olhos que nos impede de ver nossos defeitos, mas não deixamos de olhar os defeitos dos outros (cf. Lc 6,42); fazer uma falsa imagem de si mesmo, ostentar as próprias virtudes; e reforçar suas orientações sobre o conhecimento humano dizendo que “não é o que entra no estômago que contamina a pessoa, mas o que saí do seu coração” (Mc 7,14-23). Jesus chama de hipócrita quem usa uma falsa imagem de si para fazer-se melhor do que os outros. O autor diz que “a hipocrisia é uma mentira gritante, uma contradição” (NOLAN, 2013, p. 153).
Uma pessoa que não conhece a si mesma não tem como viver uma verdadeira espiritualidade, pois está centrada em si mesma, deixando que seu ego “o eu egoísta”, que nos cega para a verdade de nós próprios e dos outros como uma trave nos olhos (NOLAN, 2013 p.154). Este autor afirma que existem casos em que muitas vezes o ego chega a agir de forma irracional, obsessiva, sendo necessário ter um acompanhamento terapêutico ou psiquiátrico.
Para uma pessoa que busca viver uma espiritualidade segundo os critérios do Evangelho, desejando ouvir e seguir os ensinamentos de Jesus Cristo tem a possibilidade de, através da oração, confronta-se consigo mesma no silêncio do coração e progressivamente conhecendo seus limites, impostos pelo eu egoísta também chegar diante de sua verdadeira identidade de pessoa dotada de dons e limites.
Buelta, ao falar do autoconhecimento, mostra a importância de conhecer as quatro dimensões que formam o ser humano: corpo, pensamento, afetividade e decisão. E diz ainda que com essas dimensões fazemos nossa experiência de Deus. Com nosso corpo rezamos, ele é a porta dos sentidos. É importante escutar nosso corpo, conhecer seus mecanismos físicos e psíquicos; “nosso corpo foi feito para o encontro, o trabalho, a contemplação e a festa” (BUELTA, 2007, p. 64), com nosso corpo nos relacionamos, amamos, rezamos.
Jesus assumiu um corpo, encarnou-se: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Em nosso corpo vivemos plenamente nossa espiritualidade, nosso seguimento a Jesus, “pois nele vivemos nos movemos e existimos” (At 17, 28). Temos a vida de Deus em nós, ele nos fez: “Sim! Pois tu formaste os meus rins, tu me teceste no seio materno” (Sl 139, 13-16). Com nosso corpo nos relacionamos com as outras pessoas, com Deus. Com o corpo Deus “se aproxima de todo ser humano.” (Ibid., p. 68).
A consciência de quem somos nos faz ter uma postura diferente diante da realidade pessoal e social, e plenificados que somos pelo Espírito Santo desde o nosso batismo, podemos como Jesus, doar a vida para que os outros tenham a vida em plenitude. Ele deixa-se encontrar por quem O procura com amor, e dá-se a conhecer a quem o segue livremente. É isso que veremos no próximo capítulo, onde o encontro com Nosso Mestre Divino nos completa e integra perfeitamente.
3. O ENCONTRO COM JESUS
Os mestres da espiritualidade dizem que quando vamos ao encontro do Senhor na oração, estamos respondendo a um apelo Dele. É o Senhor quem nos convida e espera no encontro.
Com Jesus aprendemos a rezar, uma vez que em sua oração, o encontro com Deus, seu Abbá, foi marcante, como nos mostram os evangelhos. “Jesus parecia sentir uma profunda necessidade de silêncio e oração” (NOLAN, 2013, p. 140).
O povo judeu sempre demonstrou como valorizava as celebrações. Aos doze anos Jesus foi com seus pais à festa da Páscoa em Jerusalém. Naquela ocasião o menino não acompanhou seus pais de volta a Nazaré. Foi encontrado três dias depois no Templo. Quando tomou a decisão de assumir sua missão, foi batizado por João no Jordão e em seguida partiu para o deserto para rezar (Mc 1,9-12). E ao longo de suas atividades ele sempre buscava lugares desertos, afastados para sua oração (cf. Mc 1,35; 9,2; Lc 6,12; 11,1; 22,39). Em sua comunhão com o Pai, Jesus O revelava: “Felipe, quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9). Assim, aqueles que desejam encontrar-se com Jesus e segui-Lo, devem primeiro buscá-lo na oração. (Ibid.p. 141).
Nos nossos dias em que somos sufocados com tantas atividades, informações, solicitações, necessitamos desses momentos de encontro com o Jesus que nos pacifica, equilibra, harmoniza e nos dispõe a servir como ele, ao Pai e aos irmãos.
3.1 Vidas restauradas por Jesus
Apesar de ter uma vida tão tumultuada, de tantas atividades e aglomeração de pessoas que o procuravam para ouvi-lo ou serem curadas por ele, Jesus demonstrava serenidade, paciência e, sobretudo, o sentimento de compaixão, como já vimos anteriormente. Jesus era totalmente integrado no seu ser, sua espiritualidade é libertadora e abrange todo o ser daqueles que buscam segui-lo e possibilitava aos que o procuravam essa integração e a cura de seus males físicos, psíquicos e espirituais.
O encontro com Nicodemos (Jo 3,1-21), fariseu notável que foi procurar por Jesus às escondidas, de noite, deve tê-lo transformado ou pelo menos, questionado sua conduta e certamente deve ter-se feito discípulo em segredo. Ele aparece de novo no sepultamento de Jesus, para preparar o corpo para o sepultamento (Jo 19,39). Outro que teve sua vida restaurada foi Zaqueu, chefe dos cobradores de impostos, que praticava o roubo em suas atividades. O encontro com Jesus transformou-o por dentro, fazendo com que reconhecesse seus erros e se tornasse uma pessoa íntegra (Lc 19,1-10). Outro cobrador de impostos que deve sua vida transformada foi Mateus. (Mt 9,9). O olhar de Jesus deu um novo sentido a sua vida e Jesus fez dele um de seus discípulos.
Outra categoria de pessoas desprovida de dignidade eram as viúvas. A uma delas Jesus devolve seu filho com vida, devolvendo-lhe a dignidade e a segurança (Lc 7,11-17). Os leprosos não tinham direito à vida de sociedade, um deles se aproxima de Jesus e pede para ser curado, sabe que aquele homem acolhe a todos com amor (Lc 5,12-14); as mulheres consideradas pecadoras e adúlteras condenadas pela sociedade machista da época eram acolhidas com respeito por Jesus que lhes devolvia a dignidade (Lc 7,36-50; Jo 8,1-11). As crianças não eram consideradas ninguém na sociedade de Jesus, ele, porém as considerava como modelo de extrema humildade (Mt 18,3-4). “Quem quiser segui-lo, deverá tornar-se tão humilde como as crianças” (NOLAN, 2013, p. 173). Acima de tudo era amando as pessoas que Jesus as curava integralmente. Ele as amava identificando-se com cada uma. Para ele cada pessoa era única e importante.
Em nossos dias, as vidas são restauradas através da oração, dos sacramentos, na leitura da Palavra, na caridade, na comunhão com o próximo, em particular com as minorias sociais. Estes são os ensinamentos de Jesus, vivendo-os, fazemos com que Ele se revele através das nossas atitudes.
3.2 A integração pela experiência do encontro com Jesus
“Amarás o teu próximo como A TI MESMO” (Mc 12,31).
Conforme Nolan, amar a si mesmo de forma incondicional, tomando consciência de seu ser, ou seja, amar-se aceitando as fraquezas, faltas, defeitos e qualidades, perdoando-se. Era assim que Jesus amava, gratuitamente, como Deus nos ama, como a um ser único. Toda a vida de Jesus foi uma expressão de seu amor incondicional, genuíno.
Aprender a amar a nós mesmos significa aprender a abraçar nosso caráter único insubstituível, e que inclui os nossos pontos fortes e fracos particulares, os nossos êxitos e os nossos fracassos, as nossas inspirações e a nossa estupidez, o nosso corpo e a nossa alma. (NOLAN, 2013, p. 221).
Em sua epístola, João nos diz que Deus nos amou primeiro, e o amor que Jesus nos convida a ter é um amor de carinho e gratidão a este amor de Deus Pai (cf. 1Jo 4,19). Com essa consciência da pessoa humana como ser único e amado, Jesus chamou os seus discípulos e formou com eles uma comunidade.
Esse encontro com Jesus restaura vidas. Foi assim com seus discípulos. Jesus não pediu que eles mudassem seu modo de ser para segui-lo. Ele os transformou através de seus ensinamentos e seu testemunho na acolhida a todas as pessoas sem distinção.
Ao rezarmos o Novo Testamento percebemos que os discípulos demonstraram suas vidas restauradas após a ressurreição de Jesus. No momento de sua Paixão todos os abandonaram (Mt 26,56). Eram homens simples do meio do povo: Mateus narra o chamado dos quatro primeiros discípulos: os irmãos Simão Pedro e André, em seguida Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram pescadores. Depois chama Levi (Mateus), coletor de impostos. Lucas (Lc 6,12-15), narra o chamado dos doze apóstolos, depois de passar a noite em oração. Santo Inácio de Loyola pede para considerar como Jesus escolheu homens de condição simples e humilde, a dignidade com que foram chamados e que foram elevados acima de todos os santos do Antigo Testamento (EE 275). Jesus foi para eles um Mestre que testemunhou uma liberdade sem igual, uma doação de vida sem limites. Além dos doze apóstolos muitos outros discípulos seguiam a Jesus. Lucas no capítulo dez narra que ele enviou outros setenta e dois discípulos a sua frente, preparando sua chegada.
Ao narrar à multiplicação dos pães (Mc 6,30-46), Marcos diz Jesus passou o dia atendendo o povo, ensinando muitas coisas,e depois que multiplicou os pães, forçou seus discípulos a entrarem na barca e irem embora, enquanto ele ficou despedindo o povo. E incansavelmente viajava por várias cidades ensinando, curando e pregando a boa nova do Reino (Mc 1,14ss; 7,24-9,33; 11,1ss). Ensinava que a vida e a dignidade das pessoas estavam acima das leis estabelecidas curando em dias de sábado (Mc 1,21-28; 3,1-6; Jo, 5, 5-10). Nolan nos diz que ele amava sem reservas, tanto os pobres como os ricos; escandalizava os piedosos ao tratar com solicitude as prostitutas. E se quisermos viver de sua espiritualidade, devemos ser livres como ele.
Na oração da Segunda Semana dos Exercícios Espirituais, o exercitante é convidado a contemplar a vida de Jesus e a pedir a graça do conhecimento interno do Senhor (EE 104) e esta graça pode ser pedida ao longo dos EE. Ao crescer no conhecimento do Senhor, ele concede a quem busca essagraça, o crescimento no conhecimento pessoal e assim, poder conhecer o outro, seu semelhante e assim acolhê-lo e amá-lo, a exemplo do Senhor. Esse conhecimento interno como graça, integra a pessoa no seu ser e a faz livre para seguir os passos de Jesus, vivendo de forma encarnada sua espiritualidade de cura e liberdade.
Esta liberdade e vidas restauradas, os apóstolos transmitiram depois da ressurreição de Jesus, após terem sidos revestidos pelo Espírito Santo no Pentecostes. (At 2,1-112). Todos, com destemor, deram a vida por amor ao seu Senhor.
3.3 Sob a luz do Espírito Santo
Na tarde do domingo da ressurreição, Jesus apareceu a seus discípulos, “soprou sobre eles a lhes disse: recebei o Espírito Santo.” (Jo 20,22). Jesus lhes havia anunciado que enviaria o Espírito Santo e que este lhes ensinaria muitas coisas (cf. Jo 14,26). O Espírito Santo, amor do Pai e do filho, comunhão de amor que habita em todos os cristãos desde o dia de seu Batismo, conduz a vida dos que creem no Cristo para que o conheçam e o sigam, vivendo como ele viveu. Pelo Espírito Santo, todos se tornam filhos de Deus (cf. Rm 8,14).
Padre Quevedo (2011, p. 20), ao falar da constante assistência que temos do Espírito Santo, diz: “O Espírito Santo é o Amor em pessoa, que se manifestou na criação e na vida de Jesus, e continua a se manifestar na vida da Igreja e na nossa vida”.
É o Espírito Santo que nos faz experimentar a ação de Deus em nossas vidas. Sua presença é encontrada toda vez que há uma referência a Deus e a Jesus Cristo. Em Gênesis 1,2c, o autor sagrado diz que “o Espírito de Deus pairava por sobre as águas”. No Novo Testamento ele é apresentado diretamente ligado à Jesus. “E quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho nascido de uma mulher” (Gl 4,4). Na anunciação Lucas diz que “O Espírito te cobrirá com sua sombra” (Lc 1,35). “O mesmo Espírito que suscitou Jesus no seio de Maria será responsável pelo nascimento da Igreja” (Ibid. p. 21). E quando chegou o dia de Pentecostes, o Espírito Santo foi derramado sobre os apóstolos (At 2,3) e eles cheios do Espírito anunciaram com destemor que o Senhor Jesus estava vivo, havia ressuscitado. Em várias outras passagens encontramos como o Espírito Santo agia na Igreja nascente através daqueles que aceitava a fé em Jesus Cristo. Em nossos dias, o Concílio Vaticano II, “Retém a ideia tradicional de que o Espírito Santo garante a fidelidade da tradição e a verdade dos pronunciamentos solenes do magistério”. (LG 25,3 Apud GONZÁLEZ-QUEVEDO, 2011, p. 30) O Espírito Santo continua agindo em todo povo de Deus. “Ele habita na Igreja e nos corações dos fiéis como em um templo. (cf. 1Cor 3,16; 6,19). (GONZÁLES-QUEVEDO, 2011. p. 30).
Ainda em seu texto, Padre Quevedo afirma que nos EE, Santo Inácio faz poucas citações sobre o Espírito Santo, seis delas são citações bíblicas incluídas nos Mistérios da vida de Cristo nosso Senhor (EE 263,4; 273,4; 304,4; 307,4 e 312,2), e as duas últimas ocorrem na 13ª regra para sentir com a Igreja (EE 365). Explica que o contexto histórico em que os EE foram elaborados havia suspeitas de heresias, e por vezes Inácio foi interrogado pela inquisição a respeito do que escrevia e ensinava. Certamente este foi o motivo significativo para poucas referências ao Espírito Santo. Mas
A Segunda, Terceira e Quartas Semanas dos EE estão centradas na busca do conhecimento interno de Jesus, para mais amá-lo e segui-lo, a fim de que, morrendo com Ele, ressuscitemos também com Ele. Nestas Semanas, o Espírito Santo estará sempre presente, embora discreta e silenciosamente, pois não se pode ter uma experiência de Cristo, senão pelo Espírito. (Ibid. p.35).
Todo cristão que busca uma vida de oração, de conformidade com a vida de Jesus Cristo segundo os Evangelhos, sempre será conduzido pelo seu Espírito.Encontramos na Carta aos Romanos que vencemos todas as tribulações por sermos conduzidos pelo Espírito Santo (Rm 5, 3-5), nele encontramos a esperança. No silêncio da oração o Espírito integra o nosso ser, nos faz chegar ao mais profundo de nós mesmos e ali nos ensina a escutar aos outros e a escutar Deus.
Pelo Espírito Santo usamos a linguagem universal do amor. Ele nos faz ter as mesmas atitudes e os mesmos sentimentos de Jesus. Buelta expressa essa realidade através de um testemunho de um pai de origem hindu: “Isso é admirável. Eu sou hindu que venho da Índia, minha filha é operada grátis na Itália por um médico muçulmano, a viagem foi paga pelo governo italiano, e me hospedei em uma casa de religiosas católicas”. (BUELTA. 2007. P. 254)
CONCLUSÃO
A realização deste trabalho foi uma experiência intensa de atenção à presença e a ação de Deus em toda história humana, em todos os tempos e lugares. Podemos sentir o quanto a ausência de Deus é sinal de morte e destruição da dignidade e da vida humana. A oração, a vida de comunhão com o Senhor nos compromete com a vida dos irmãos e irmãs espalhados por todo o mundo.
Ao buscarmos ajuda para nossa vida espiritual, encontramos um meio eficaz de crescimento na fé e na busca da vontade de Deus para nossas vidas. Um dos meios eficazes para que isso aconteça é a oração através da metodologia inaciana. Essa forma de oração nos faz ter um olhar contemplativo sobre nós mesmos e sobre o outro, uma vez que nos remete a Jesus Cristo.
Contemplar a vida de Jesus, rezar a partir de seus ensinamentos, de suas atitudes e de seus sentimentos, faz com que nossa oração seja um conhecermos a Ele, a nós mesmos e em consequência, a todos os seres humanos. Rezando a partir de Jesus somos inseridos na história da humanidade, onde Deus se faz presente. Jesus veio ao mundo com a missão de nos salvar, de nos resgatar para Deus, seu Pai. As pessoas tendem a afastar-se de seu Deus criador e ao longo deste trabalho expusemos as consequências dessa ausência de Deus na vida das pessoas, das sociedades e todos os tempos e lugares. Ausência que causa tantos sofrimentos, tantas vidas destruídas, fragmentadas.
A consciência da presença de Deus em nós, nos é dada pelo Espírito Santo que recebemos no batismo, Espírito de Amor e comunhão entre o Pai e seu Filho Jesus, Senhor e Mestre. Ao encontrar-se com Jesus Cristo as pessoas tinham suas vidas transformadas, restauradas. E hoje continuamos a termos a mesma graça, pois Ele continua agindo em nós e através de todos aqueles que desejam viver uma vida de comunhão. Ao experimentarmos e vivermos sua espiritualidade libertadora somos convocados a viver uma fé comprometida com o Pai e os irmãos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CABARRÚS, Carlos Rafael. Discernir na Igreja Hoje. São Paulo: CRB/ Loyola, 1998.
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CUSTÓDIO, Spencer. Uma questão de identidade: O acompanhamento Espiritual. Revista de Espiritualidade Inaciana, Indaiatuba (ITAICI), v.10, n. 37, p. 44, set. 1999. Artigo.
GONZÁLES-QUEVEDO, Luís. O amor de Deus que habita em nós: o Espírito Santo. Revista de Espiritualidade Inaciana, Indaiatuba (ITAICI), v. 20, nº 86. p.19-38, dez. 2011. Artigo.
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NOLAN, Albert. Jesus hoje. 4a. ed. São Paulo: Paulinas, 2013.
PALOARO, Adroaldo. A Experiência Espiritual de Santo Inácio e a Dinâmica interna dos Exercícios. São Paulo: Loyola, 1992. Coleção Experiência Inaciana.
RAGUIN, Yves. Atenção ao Mistério. Um aprofundamento na vida espiritual. São Paulo: Paulinas, 1981.
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