A IMPORTÂNCIA DA ORIENTAÇÃO ESPIRITUAL NO CONTEXTO DAS NOVAS COMUNIDADES


RESUMO


O presente trabalho propõe uma reflexão acerca da importância da relação pessoal com Deus e o acompanhamento da mesma no contexto das Novas Comunidades. Ao longo da história, o Espírito suscitou diversos carismas para responder as necessidades da Igreja e do mundo. Estas experiências carismáticas são fruto de uma autêntica relação com Deus e a partir delas se fundaram diversos movimentos. Desta forma, por se originarem da experiência do fundador com Deus, os carismas se tornam itinerários espirituais que conduzem os seus membros a se aprofundarem nessa relação. Urge, portanto, aprofundar no significado da oração como relação pessoal com Deus e a importância da mesma no contexto das Novas Comunidades. Há um desejo divino em se relacionar com o homem e, portanto, o Espírito inspira novos caminhos para se chegar a união com o Pai e para que o homem se configure com Cristo. A proposta é sugerir o relacionamento com Deus como base para os projetos formativos, pois nele o consagrado se conformará a Cristo em seus sentimentos, pensamentos e atitudes. O consagrado, ao aprender a discernir os movimentos do Espírito em seu interior, se tornará mais sensível aos apelos de Deus e compreenderá aquilo que o permite realizar a vontade divina ou o que o afasta. Para tanto, se faz necessário de um acompanhamento específico do relacionamento pessoal do consagrado com Deus a fim de auxiliar no crescimento desta experiência. Assim, a orientação espiritual se atualiza nas novas formas de via consagrada e contribui para que os membros das Novas Comunidades se conformem a Cristo.
Palavras-chave: Carisma. Novas comunidades. Oração. Discernimento. Orientação espiritual.

Sumário




INTRODUÇÃO



As NC são um fenômeno eclesial e social na sociedade moderna. Estes estilos de vida surgidos no último século demonstram a ação do Espírito sempre atuante na vida da Igreja e no mundo. Ao longo da história, surgiram diversos carismas em locais e épocas diferentes que se tornaram meios para as pessoas viverem um relacionamento com Deus. Muitos contribuíram com itinerários espirituais específicos, com uma vasta literatura cristã e, sobretudo, com testemunhos diversos de homens e mulheres que se tornaram santos porque se conformaram com Cristo. Qual teria sido a contribuição dos seus carismas para a santificação destes membros? Quais meios utilizados por estas instituições contribuíram para que esta conformação com Cristo?
É certo que os carismas foram fonte de renovação para a vida de diversas pessoas. Daí a importância de não perder e lhe serem fiéis. Ao valorizar os carismas, se estima o fato de que estes surgiram por uma inspiração do Espírito. Portanto, são também fontes nas quais é possível se realizar uma experiência semelhante. Se no passado geraram tantos frutos para a Igreja e para a humanidade, quais seriam os frutos para os tempos atuais? Como proporcionar que deem frutos “cem por um”?
Diversos questionamentos colocaram em movimento a realização deste trabalho. Ele está dividido em três capítulos que buscam refletir sobre a importância da experiência pessoal com Deus para os novos carismas.
O primeiro capítulo visa refletir sobre o que fundamenta o surgimento dos carismas e, no caso, das Novas Comunidades. Apresentam-se alguns pontos acerca do contexto social e eclesial do qual surgiram estes novos movimentos a fim de destacar o surgimento dos carismas como uma iniciativa de Deus para que os homens se relacionem com Ele. Os carismas surgem de uma relação com o Senhor e se tornam lugares para convidar e acompanhar a humanidade neste relacionamento. As reflexões apresentadas têm como base o pensamento de Wagner Ferreira, Renato da Silveira Borges Neto e Ronaldo José de Sousa, membros de Novas Comunidades, bem como do Papa João Paulo II.
Já o segundo capítulo introduz uma reflexão sobre esta iniciativa pessoal de Deus para se relacionar com o homem de forma pessoal. Deseja-se refletir sobre os fundamentos dessa relação e sobre a contribuição da mesma para a conformação do ser humano com Cristo. Nesse sentido, destaca-se qual seria a importância desta relação no âmbito das NC. Os autores utilizados para as discussões desse capítulo são William Barry, David Benner, Frank Houdek, André Louf, e Patrício Sciadini.
Por fim, o terceiro e último capítulo tem como objetivo discutir a importância da experiência pessoal com Deus no projeto formativo das NC a fim de destacar a necessidade do discernimento e da orientação espiritual. Sendo este tipo de acompanhamento uma tradição antiga na história cristã, faz-se necessário perceber quais seriam as contribuições das mesmas para as novas realidades eclesiais. Abordam-se os pensamentos William Barry e William Connolly, Wagner Ferreira, Luís González-Quevedo, Thomas H. Green, Frank Houdek, Maria Emmir Oquendo Nogueira, Germana Perdigão, Maria Goretti Menezes e de Patrício Sciadini.
Sendo os carismas originados por uma inspiração do Espírito que os anima, há de se discutir acerca dos meios que contribuirão para que os mesmos não percam o fervor e a originalidade iniciais. Deus impulsiona o homem a ir além e lhe apresenta percursos para percorrer para responder ao amor divino. As próximas páginas desejam apresentar pistas que iluminem os caminhos das NC para que os seus membros respondam ao amor de Deus e se conformem a Cristo sendo fiéis ao carisma original.

CAPÍTULO I – Novas Comunidades, lugar de uma experiência com Deus



Desde o princípio do Cristianismo, muitos homens e mulheres permitiram ser tocados pelo Amor de Deus em suas vidas. Tal acontecimento se revelou na vida de cada uma dessas pessoas como um verdadeiro divisor de águas capaz de mudar rumos e transformar inteiramente o modo de agir. Foi através desta experiência, a partir dos apóstolos e das primeiras comunidades cristãs, que se difundiu pelo mundo um novo anúncio que se fazia pelas palavras, mas muito mais além pela novidade expressa na vida de tais pessoas.
Este encontro de Amor vivenciado por uma multidão de homens e mulheres é o responsável pela transformação destes em novas criaturas em Cristo. Este Amor os colocou em movimento e estimulou o anseio a muitos corações de se parecerem com o Cristo e em seguir suas pegadas. Somente uma experiência de intimidade com Jesus é capaz de marcar profundamente a vida de uma pessoa e realizar uma transformação em sua vida.
Somente um encontro pessoal com Deus é capaz de mover o coração humano a se ofertar inteiramente e se consumir por Amor. É este encontro que plenifica a vivência de cada cristão. De modo especial, salienta-se a vivência daqueles que se sentem chamados a responder a Deus de um modo específico a partir de uma vocação particular.
Para sustentar essa afirmação, percebemos na história da Igreja como o Espírito Santo agiu de forma específica para suscitar novas formas de seguimento de Jesus Cristo através dos tempos. A Providência suscitou numerosos e diversos carismas em fases cruciais da história humana a fim de responderem às necessidades da Igreja e do mundo (FERREIRA, 2011b, p. 41). Para responder a tais urgências, os carismas assumiram diversas formas de organização interna o que caracteriza o elemento dinâmico e reformador presente na ação do Espírito que renova a comunidade cristã. Cada forma de seguimento surgiu a partir de uma ação do Espírito Santo que permitiu com que o Evangelho assentasse profundas raízes na Igreja, no mundo e no coração de cada pessoa que se dispôs a seguir o Cristo. Assim,
cada época da Igreja conhece verdadeiros movimentos eclesiais que se manifestam como respostas tempestivas as necessidades do tempo e que florescem em formas variadas, visto que Deus não deixa nunca de adorná-la com novos e preciosos dons (NETO, p. 18).
A partir deste entendimento, entende-se que os diversos movimentos que surgiram nas diversas épocas são uma resposta de Deus às necessidades do homem em um determinado tempo.
Nos últimos tempos, muito homens e mulheres vivenciaram uma experiência pessoal com o Cristo e se colocaram a segui-Lo por onde quer que Ele fosse. Estes foram conduzidos pela ação do Espírito Santo a responderem de forma particular a Deus e a imitarem o Seu Filho através de novos carismas que se fundamentaram em uma nova forma de vivência consagrada: os Novos Movimentos Eclesiais e as Novas Comunidades. Estes surgiram para este tempo a fim de responderem às necessidades atuais do homem e da Igreja.

1.      A presença de Deus na história da Igreja e da humanidade

O intuito deste ponto é apresentar as Novas Comunidades como uma resposta do Espírito às necessidades da Igreja e do mundo. Para tanto, a compreensão deste trabalho não é colocar estas expressões como superiores aos movimentos que o Espírito suscitou ao longo da história nem realizar análises sociológicas. O interesse é apenas abordar que o Pai continua a convidar os seus filhos e filhas a uma relação de intimidade a fim de despertar em seus corações o desejo de seguirem a Jesus pela ação do Espírito Santo.
As diversas formas de seguimento de Cristo foram inspiradas pelo Espírito de acordo com as realidades vivenciadas em cada período histórico: seja a época da ocupação romana à sua queda com a invasão dos bárbaros, seja no período feudal ou no renascimento cultural, ou ainda com as grandes navegações, a abertura ao mercantilismo, as revoluções iluministas ou a industrial. Assim, para cada momento na história humana e em determinados lugares, surgiram homens e mulheres que fizeram uma experiência com Deus e foram conduzidos por Ele a iniciarem uma nova obra de seguimento de Jesus Cristo. Isto é, cada nova obra surge de uma experiência com Deus e para auxiliar as pessoas a vivenciarem a sua experiência com Deus. Desta forma, os Novos Movimentos Eclesiais (NME) e as Novas Comunidades (NC) são chamados a encarnarem o próprio Carisma no mundo. Assim sendo, os NME e as NC “encontram seu significado mais profundo a partir de uma experiência, de um encontro extraordinário e misterioso com o evento cristão” (FERREIRA, 2011b, p.42,).
Os tempos atuais nos quais surgiram os NME e as NC são marcados por forte secularização que se iniciou em meados do século XIX e percorreu todo o século XX até os tempos atuais. A secularização é o fenômeno com o qual as instituições religiosas ou qualquer sistema religioso passam a não mais determinar a vida da sociedade em todos os âmbitos cultural, político, econômico, social. Este subjetivismo é uma das características marcantes da mentalidade contemporânea e faz com que a pessoas busquem em si mesmas o que determinara o seu comportamento gerando certa relatividade (FERREIRA, 2011b, p.17).
Ao adentrar neste processo, o homem contemporâneo começa a buscar a verdade a partir deste subjetivismo individualista. Ele alega para si uma pretensa autonomia e liberdade que o conduz a uma sensação de vazio e de perda de sentido da própria existência. Há uma profunda perda da interioridade e o homem se percebe extremamente frágil perante o mundo (FERREIRA, 2011b, p.23). O crescimento do individualismo faz com que a coletividade também decline proporcionando também um rompimento com o princípio de comunidade. Como consequência, o sentimento de insegurança cresce dentro da sociedade contemporânea “em virtude da ausência de vínculos de pertença” (SOUSA, p.19).
A ausência de respostas na técnica e na ciência que preenchessem a sensação de vazio do ser humano e a perda do sentido de comunidade conduzem o homem a busca de um lugar para realizar uma experiência que preencha a sua existência. Ele deseja sentir-se consolado e não consegue fabricar essa experiência para si e percebe que os bens exteriores não podem produzir tal sentimento. Esse anseio do coração do homem faz reemergir o desejo de uma experiência com o sagrado e uma religiosidade mais plural (FERREIRA, 2011b, p.31).
É neste contexto contemporâneo de secularização e da vulnerabilidade dos vínculos de relação entre as pessoas que há um despertar pelo contemplativo e pelo desejo de se relacionar com o outro. Deste fenômeno da secularização, surgiu um fruto que foi a purificação da fé que permitiu que o ser humano abrisse um espaço para buscar uma experiência com a pessoa de Jesus Cristo. O sagrado reemerge com aspectos novos e é marcado pela recuperação da relação com o Mistério e com experiências religiosas emocionalmente envolventes. Neste contexto, os dogmas ou as condutas morais somente encontrarão sentido a partir desta experiência concreta de Amor em um relacionamento com Deus (FERREIRA, 2012a, p. 84). Neste sentido, o comunitário também se soergue a fim de que as relações sejam baseadas em sentimentos recíprocos de solidariedade. Isso fortalece os relacionamentos e permitem com que as pessoas sintam que pertencem umas as outras tendo em vista que são do mesmo tipo. Há também desejo de um conhecimento íntimo e de participação na vida uns dos outros permitindo com que as pessoas descubram o valor do relacionamento em si mesmo (SOUSA, p.15-16).
É interessante ressaltar esta busca constante por qualquer espiritualidade, mesmo que desordenada, pois esta traduz a necessidade do ser humano de vivenciar uma experiência transcendente. O sentido da própria existência, a reconstrução do homem fragmentado e a ruptura com o individualismo são frutos de um relacionamento com Deus autêntico. Para destacar esta experiência religiosa autêntica, é preciso salientar que esta busca um sentido e não apenas satisfações espirituais como é característica da “religiosidade de consumo” (SOUSA, p.255).
Nesta relação, a pessoa vivencia sensações que a permitem realizar um ato de fé verdadeiro: o homem e mulher aderem pessoalmente a Deus e não mais como algo que é imposto. Tal abertura suscita uma renúncia pessoal e uma abnegação que faz com que a pessoa se disponha a entregar a sua vida a Deus e canalizar a sua potencialidade humana em favor de sua fé.
É neste contexto secularizado que o Espírito Santo suscita os NME e as NC como uma resposta. Atento às necessidades da Igreja e do mundo, o Espírito inspirou o Concílio Vaticano II no coração de São João XXIII. Este acontecimento eclesial marcou o século XX e a adaptação da Igreja aos novos tempos a fim de que o Evangelho continuasse a ser anunciado através de novos meios. Apesar do fenômeno dos NME terem suas raízes anteriores ao Concílio, os textos conciliares favoreceram o crescimento destas novas experiências e abriram novas portas. As grandes contribuições do Concílio para o fortalecimento e o surgimento dos NME e das NC foram o reconhecimento “da importância do lugar e da missão dos leigos tanto da sociedade como na Igreja” (FERREIRA, 2011b, p.44); a sua eclesiologia de comunhão e a doutrina dos carismas.
O reconhecimento da igualdade de todos os fiéis valorizou a vocação laical. Todos os batizados são, portanto, chamados à santidade e “iguais na dignidade e no agir quanto à cooperação na edificação do Corpo de Cristo e no cumprimento da missão que Cristo confiou a Igreja a se realizar no mundo” (FERREIRA, 2011b, p.49). Percebe-se que as diversas funções e ministérios são complementares e há um chamado para que cada um seja dócil à ação do Espírito para realizar a missão que lhe forem confiadas por Deus. Motivados pelo Espírito, os fiéis leigos desejam responder aos apelos de Deus em seus corações a fim de serem para a Igreja e para o mundo o que o Senhor lhes pedir.

2.      A experiência de Deus como fonte de carismas

Inspirados pelo Espírito, muitos leigos começaram a desejar responder a sua vocação como batizados em realidades associativas. São células de vida comunitária que concedem identidade aqueles que se lhe aderem a estas de forma a resistirem à massificação da sociedade. Tais agregações laicais começam, pois, a surgir inspiradas pelo Espírito para que diversos homens e mulheres respondam juntos ao chamado batismal à santidade, meta da vida cristã, em um mundo secularizado.
Homens e mulheres, sendo a grande maioria formada por leigos, experimentaram de um encontro extraordinário e misterioso com Cristo que os impulsionaram a desejar ardentemente doarem as suas vidas a Deus, pela Igreja e pela humanidade. Aqueles que iniciaram tais movimentos laicais são reconhecidos pela Igreja como fundadores, pois receberam um chamado preciso do Espírito para iniciar uma nova forma de vida comunitária e consagrada na Igreja. Estes foram inspirados pelo Espírito a um modo particular de viver o Evangelho e de seguir a Jesus Cristo em conformidade com os tempos atuais e com uma missão específica no contexto eclesial.
Tais inspirações movem os fundadores mesmo contra suas tendências naturais a fim de que se iniciem novas obras com finalidades espirituais e apostólicas próprias. E com o tempo, outras pessoas vivenciam uma experiência espiritual e se sentem chamadas a se unir no seguimento de Jesus Cristo junto com tais fundadores segundo um carisma original. É este carisma que agrega e é o fundamento da vida comunitária, pois confere identidade a cada um dos membros, bem como infere a missão desta nova obra (FERREIRA, 2012b, p.49). É uma história que se repete ao longo da história:
alguém (ou um grupo de pessoas) faz uma experiência carismática na Igreja, decisiva para a própria vida, e que depois, de maneira misteriosa, estende-se a outros. A partir deste primeiro encontro nasce um caminho de santidade e aprofundamento na fé para si e para tantas outras pessoas que depois venham a ter contato e desejem acolher aquela experiência na própria vida (NETO, p.172).
Assim, estes NME e NC desejam ser Igreja assumindo a própria missão em comunhão e ao mesmo tempo são chamadas a exercer uma influência sobre diversos ambientes da sociedade (política, economia, arte, cultura, social, comunicação, dentre outros). Estes movimentos reúnem, pois, diversas pessoas sob um mesmo Carisma para viverem um serviço eclesial público que edifica a vida da Igreja e transborda em testemunho e evangelização na vida em sociedade (FERREIRA, 2011b, p 53).
Estas novas agregações somente encontram a plenitude no serviço a Cristo em comunhão com a Igreja a fim de auxiliá-la a responder aos desafios contemporâneos (NETO, p.181). O surgimento destas inúmeras formas de vivência comunitária no âmbito eclesial não é apenas uma consequência da necessidade sociológica de se formar comunidades, mas um derramamento do Espírito que inspira um grupo de pessoas a se reunirem sob um carisma próprio.
É certo que o Espírito age com o intuito de conduzir as pessoas a conhecer a Jesus Cristo e para tanto inspira novos carismas ao longo da história. Por esta ação, em situações de crise, a Providência suscitou inúmeros carismas para que o rosto de Cristo continuasse a ser anunciado conforme cada período da humanidade. Neste sentido, desde o Concílio Vaticano II, emitiram-se muitos documentos e notas da Igreja Universal e de Conferências Episcopais locais reconhecendo o contributo efetivo dos NME e das NC na edificação da Igreja e como resposta aos novos desafios. Conforme Ferreira, “os NME e as NC tem uma origem carismática que, ao mesmo tempo, coloca-se a serviço da edificação da Igreja de modo insubstituível” (2011b, p.71). Portanto, essa nova era de agregação dos fiéis leigos é um sinal da manifestação da riqueza dos meios que o Espírito suscita para que se realize a missão da Igreja de Cristo na história.
Com o intuito de abordar apenas as NC, iremos apenas apontar as características principais das mesmas a fim de conhecimento daqueles que se põem a ler este trabalho: apresentam a especificidade de um carisma original; é formada por homens e mulheres; aglutinam diferentes estados de vida (solteiros, casados, sacerdotes, celibatários); possuem vida fraterna e espiritualidade comum; compartilham da espiritualidade da Renovação Carismática Católica (RCC); são dotados de forte dinamismo missionário; preocupam-se com a formação dos membros em vista das exigências da consagração.
O principal objetivo é observar que nestas novas agregações os fiéis encontram um caminho para realizar uma experiência com Deus e ali podem crescer e se comprometerem efetivamente aderindo à fé e engajando-se apostolicamente.

3.      Os carismas como experiência de Deus

A principal característica que envolverá a experiência espiritual dos NME e das NC é o fato de se originarem de um carisma e todos os membros são chamados a vivê-lo. As pessoas vivenciam uma experiência forte e intima com o amor gratuito de Deus pela qual se sentem impulsionadas a responder com toda a sua vida consagrando-a ao Pai. Ao deixar-se amar, brota do coração do homem um desejo de abandonar tudo e seguir a Jesus Cristo identificando-se com Ele a ponto de querer assumir os Seus sentimentos e a Sua própria vida. É ação do Espírito formar e plasmar o espírito do carisma naqueles que são chamados a fim de que imitem a Cristo casto, pobre, obediente e, sobretudo, a sua oferta na Cruz. É, pois, um chamado a “conversão plena, renunciando a si próprio para viverem totalmente no Senhor, a fim de que Deus seja tudo em todos” (VC, 35).
É belo contemplar que o que mantém a unidade e a coerência de vida em um movimento não são as estruturas institucionais nem estatutos ou projetos formativos, mas o ideal do carisma. Uma das principais características dos carismas é manter vivo o anseio dos membros em vivenciar um relacionamento com Cristo e a buscar uma configuração com Ele. Quando o fundador e os membros de um movimento permitem ser envolvidos por esta experiência carismática, o Espírito apresenta por meio deles uma especial compreensão do mistério de Cristo e da Igreja. É, pois, o carisma que sustenta o movimento em torno de um ideal que se encarnou primeiro em uma figura carismática e que deve ser continuamente proposto à humanidade. Portanto, o elemento carismático vitaliza e coloca os membros em caminho para que se adaptem continuamente as mudanças e não cesse de construir o Reino (FERREIRA, 2011b, p.60).
A experiência da filiação espiritual ao fundador é um traço importante para que o carisma se revele em sua plenitude. Esta é necessária para que o carisma originário do movimento vivenciado pelo fundador envolva a experiência espiritual de todos aqueles que se sentirem chamados àquela vocação específica (Discurso do Papa João Paulo II aos participantes do Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais, 1998).
Portanto, a experiência com Cristo, fundamental nos NME e nas NC, será marcada pela originalidade do carisma. Aqueles que são chamados a uma vocação específica são impelidos pelo próprio carisma a viver a experiência cristã com renovado ardor. A Carta Iuvenescit Ecclesia promulgada pela Congregação para a Doutrina da Fé em junho de 2016 afirma que os movimentos são distinguidos
dentro do panorama eclesial enquanto realidades fortemente dinâmicas, capazes de suscitar particular atração pelo Evangelho e de sugerir uma proposta de vida cristã tendencialmente global que abarca todos os aspectos da existência humana (nº 2).
Os carismas são uma forma pela qual o Espírito age para impulsionar o homem ao empenho de se assemelhar com o Filho através de uma intimidade e comunhão. Nos NME e nas NC, os carismas não podem ser reduzidos apenas a um fato pessoal, mas devem ser elevados para que se compreenda a intima unidade que estes produzem entre fé e vida.

4.      Os carismas como lugar de uma experiência com Deus

Este novo tempo agregativo dos leigos marcará a história à medida que estes viverem com autenticidade os seus carismas específicos. Eles conduzem os fiéis a uma experiência humana e cristã enriquecedora ao unir pessoas com identidade e aspirações convergentes. O chamado à santidade é uma urgência advinda do batismo que impulsiona aqueles que fizeram uma experiência com Cristo através de um carisma para seguirem a Ele radicalmente. A meta da santidade começa a ser encarnada na vida do fiel cristão leigo.
Os carismas dos NME e das NC são, portanto, um dos caminhos inspirados pelo Espírito para que os fiéis leigos vivam o batismo em um mundo secularizado. Sendo o carisma um dom do Espírito e não uma inspiração meramente humana, este é revelado gradualmente por Deus por intermédio do fundador. É preciso sempre revisitar a experiência espiritual do fundador para descobrir o que o carisma já é nos planos de Deus e por quais caminhos deve-se caminhar para a sua realização plena (SOUSA, p.42-43).
A fidelidade ao carisma permite com que os membros o revivam e o atualizem gradualmente na vida da Igreja e do mundo. É necessário aprofundar-se nas regras e nos escritos do fundador para refazer a sua experiência espiritual e colocar em prática este modo de vida (NETO, p.101-102). Ao aprofundar-se nesta vida, o membro testemunha o seu encontro com Cristo, pois a medida que sua vida é transformada por um modo de seguimento esta se torna capaz de gerar esperança no coração da humanidade. Portanto, o NME e as NC devem se tornar escolas a fim de acompanhar todos os homens e mulheres que desejarem realizar a uma experiência pessoal com Deus.
Assim sendo, ao suscitar estes novos movimentos leigos, evidencia-se a sede dos fiéis de vivenciar uma experiência com Cristo de forma a corresponder a este amor por um caminho autêntico. O Papa João Paulo II afirmou no memorável encontro na Praça de São Pedro com os Novos Movimentos Eclesiais no Pentecostes de 1998 que “os verdadeiros carismas não podem senão tender para o encontro com Cristo”.
A partir de tal experiência espiritual, as novas formas de vida consagrada são também chamadas a responder com generosidade a moção do Espírito e a produzir frutos de maturidade eclesial em um contínuo crescimento na comunhão com os bispos. Como movimentos laicais, devem se envolver com a nova evangelização e com a promoção humana de modo a comunicar o Evangelho a cultura contemporânea. Esta vivência também é preciso ser compreendida como um encontro com Deus para que os membros de tais movimentos se capacitem em ouvir o clamor da humanidade que anseia por Deus.
Ao serem alimentados por um carisma específico, percorrem um itinerário para o encontro com Deus e como resposta solidificam a sua vocação batismal e vivenciam uma responsabilidade com o anúncio do Reino. Ao terem as suas vidas transformadas através de um encontro pessoal com Deus que os chamou a um carisma específico, crescem em consciência que fazem parte do Corpo Místico de Cristo e que são também construtores da história. E somente poderão responder às necessidades da Igreja e do mundo se forem fiéis abraçando a novidade, a profecia, o sinal de contradição que são chamados a ser em seus carismas.
Os NME e as NC são, portanto, gerados por Deus pela ação do Espírito Santo, mas também uma resposta generosa dos fiéis que acolhem o dom divino. Eles não permanecem fechados a uma realidade intimista e interior, mas antes são impelidos pela força do carisma a saírem de si para ir ao mundo. E estes carismas conduzirão os fiéis a um “renovado compromisso de unir cotidianamente a vida de fé e a vida prática e o aberto testemunho cristão em todos os ambientes” (NETO, p.163). Ao cumprir este propósito, os carismas se realizarão plenamente como ação do Espírito Santo em respostas as necessidades da Igreja e do mundo.

CAPÍTULO II – O RELACIONAMENTO COM DEUS COMO CENTRO DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ



É belo contemplar como Deus atrai o homem a si mesmo para se relacionar com Ele. Ao contemplar a ação do Espírito durante a história da Igreja e da humanidade, percebe-se o anseio do coração de Deus em criar um relacionamento com cada ser humano. Não obstante, está também inscrito no coração do homem um desejo por Deus, muitas vezes desconhecido, que o faz almejar pela presença divina. Há um anseio profundo de Deus pela amizade do homem e o apelo para respondê-lo se esconde na essência dos mais íntimos desejos do coração humano. Portanto, criado por amor e para o amor, o ser humano somente encontrará sua realização em Deus “que nada mais é do que Amor” (BENNER, 2006, p. 24).
Sob esta perspectiva, oferece-se uma visão primordial do relacionamento que o homem é chamado a viver com Deus. Neste sentido, abordar-se-á neste capítulo o encontro com Deus que o ser humano é chamado a viver. É neste momento que se abre para o homem a possibilidade de descobrir a essência daquilo que é a sua realização mais profunda: a comunhão íntima com o Criador que o ama intensamente. Nesta relação, os carismas são inspirados pelo Espírito para que o homem descubra o seu caminho pessoal para viver este encontro de amor.

1.      Deus deseja se relacionar com o homem

Ao criar o homem, o Criador o constituiu como um ser relacional, pois ansiava em estabelecer com a sua criatura uma relação pessoal. No entanto, o ser humano rejeitou o amor de Deus em favor de uma pretensa liberdade. Ao realizar esta escolha, renunciou a um relacionamento verdadeiramente livre e intimo para viver a servidão e a alienação próprias do pecado. Este afastamento gerou no coração do homem um profundo desconhecimento do Amor de Deus, além de ferir a parte mais profunda de sua identidade humana. Surge uma experiência de vazio diante da qual o homem se sente desencorajado a buscar outro relacionamento mais profundo (BENNER, 2006, p.24-25). O desconhecimento de Deus se manifesta com uma profunda crise de sentido que impulsiona o homem a uma ânsia em preencher o vazio que o invade.
A grande luta que marca o itinerário espiritual do ser humano é se libertar do medo para se entregar ao amor. A vida cristã para ser autêntica precisa nascer desta experiência direta e pessoal com Deus a fim de que O conheça. Não é possível conhecer a Deus somente proclamando as verdades de nosso símbolo de fé sem fazer uma experiência com cada uma das verdades professadas. Certamente, a maioria das pessoas que professam a fé cristã a fazem pelo conhecimento transmitido pelas gerações mais do que por uma experiência pessoal com o próprio Deus. Não há que se desconsiderar o valor da tradição repassada nem o conhecimento adquirido pelos livros ou através de outras pessoas. Estes são meios pelos quais é possível vivenciar uma experiência com Deus e exercem uma função pedagógica de grande importância. Por exemplo, meditar a Palavra de Deus não deve ser somente para aprender intelectualmente, mas, sobretudo, para deixar ser penetrado pelo mistério do amor que Ele tem por nós. Santa Teresa de Jesus, mestra de oração, afirma que “a substância da oração não está em pensar muito, mas em muito amar” (4M 1, 7). Por isso, se o conhecimento permanecer somente enquanto teoria e não transbordar para uma vivência existencial, o cristão se impregnará apenas de conceitos religiosos e não realizará uma experiência com o próprio Deus.
Nesse sentido, se a espiritualidade reduzir-se a crenças, proibições, obrigações e sentimentalismos se reduzirá a missão de Cristo que se encarnou para nos reconduzir de novo ao Pai. Portanto, para uma vida cristã autêntica, o fiel ordenará a sua espiritualidade ao amor que Deus nutre pelo ser humano. É preciso se concentrar neste amor, pois um relacionamento com Ele somente nasce de um coração que se orienta e se abre a Sua presença amorosa.
Por isso, é necessário estar atento para as ações divinas na existência humana, bem como nas experiências vividas. Pela liberdade, o homem se atém ou não as comunicações divinas. Sobretudo, importa permitir que Ele desperte os desejos do coração por “algo a mais” (BARRY, 1995, p.14).
Estabelecer uma relação pessoal com Deus não é um processo automático. Primeiramente pelo fato do ser humano não conhecer a Deus verdadeiramente e se relacionar com Ele conforme as imagens criadas ao longo de sua história. Dizem o que ouviram falar ou sobre o que elaboraram a partir da própria existência, mas são poucos aqueles que testemunham o que viveram pessoalmente em um relacionamento pessoal com Ele. A consequência das falsas imagens criadas em relação a Deus propicia que se criem também falsas imagens acerca do homem. Assim, se o fiel cristão permanecer distante de Deus e não ousar se aproximar não se conhecerá verdadeiramente através do amor (BENNER, 2006, p.15).
Ao perceber que Deus inicia este relacionamento e que o deseja, o fiel cristão é chamado a descobrir sua resposta autêntica e pessoal a esta revelação divina. A presença do amor na vida da pessoa o faz desejar cada vez mais esta união (HOUDEK, p. 98-99). Para se viver esta relação, a pessoa necessita por primeiro criar a consciência do seu próprio desejo da presença de Deus, o interesse e a atração que o coração sente. Este movimento permite perceber a presença divina em cada acontecimento do dia-a-dia, pois “toda experiência humana tem a possibilidade de ser um encontro com Deus” (BENNER, 2014, p.145). Deus se revela não somente em momentos de oração propriamente ditos, mas em todos os momentos da vida diária.
Diversas são as iniciativas divinas para se revelar, comunicar e compartilhar do Seu amor até o momento em que encontra uma abertura e obtêm uma resposta de amor. Ao tomar consciência da atividade e das iniciativas divinas ao encontro do homem, este deve buscar os meios apropriados para responder. É um dom do próprio Deus que ajuda a pessoa a se abrir a um relacionamento consciente com Ele e a estar atento aos vários modos que Ele se faz presente e ativo em sua vida. Frank Houdek chama este dom de oração e a define como “a percepção da presença e da ação divinas constantes e amorosas” (p.99).
Neste processo de dedicar um tempo diretamente com Deus e conscientizar-se de Sua presença constante e fiel ao longo da própria história, o homem começa a conhecê-Lo. Se Deus abre-se ao ser humano, este deve estar preparado para se abrir a Ele. Há um desejo divino em conhecer os sentimentos do coração humano perante os diversos acontecimentos da vida. Esta fase do relacionamento com Deus se torna um dos momentos mais doloridos, pois o homem deve se confrontar consigo mesmo. Há certa relutância humana em admitir certos sentimentos e atitudes e estes se tornam obstáculos para ver o Rosto divino e a si próprio.
Ao encontrar tais resistências, a pessoa reconhece dentro de si que ainda há certas imagens de Deus que O aprisionam, bem como imagens de si próprio. Portanto, ao se focar somente no pecado, o homem corre o risco de se fechar em relação a Deus como se o amor divino dependesse exclusivamente de forças humanas (BENNER, 2006, p.18-19). Não é preciso que o ser humano se esforce para que Deus o ame. Basta somente abrir os próprios olhos para reconhecer-se envolvido em uma plenitude de amor que espera ansiosamente por uma resposta.
Experiências passadas, ensinamentos recebidos sobre Deus, a excessiva desconfiança em se aproximar de Sua presença, os sentimentos de raiva e indiferença gerados em relação a Ele. Tais realidades são alguns dos exemplos que impedem as pessoas de criarem um relacionamento de intimidade com o Senhor, pois bloqueiam a capacidade humana de receber a plenitude da vida divina. Nesse sentido, ao se envolver em tamanha ternura, Deus quer curá-lo de todos estes bloqueios para que se tornem mais abertos a Ele e a vida que Ele oferece. Portanto, o fundamento da oração e do encontro com Deus não são resultados, mas o Seu amor pelo homem e o despertar de uma resposta amorosa a Ele (BARRY, 1995, p.76).
Frei Patrício Sciadini afirma que “Santa Teresa definiu a oração como a arte de amar” (p.30), pois nesta atitude de vida o homem tem a experiência de sentir-se amado e contempla Aquele que o ama. É na comunhão com a fonte da sua própria existência que o homem descobre-se criado no amor, por amor e com amor.
Os métodos são apenas meios que ajudam a encontrar a Deus, mas quando Ele é encontrado é a própria relação que passará a dirigir. O entendimento dá lugar ao silêncio, a atenção, a intimidade, ao envolvimento, ao afeto. Frank Houdek afirma que
cada pessoa precisa criar uma forma autêntica e apropriada de responder ao Deus vivo, isto é, uma forma de expressar sua singularidade a uma manifestação muito específica, particular e única do Amor e da presença de Deus. Quanto mais autêntica e apropriada for a resposta a revelação divina, melhor e mais desenvolvida será a oração (p.98-99).
A comunhão do homem com Deus conduz a uma comunhão com a humanidade e desperta dentro de si um desejo de transformar o mundo em uma nova civilização. A pessoa começa a descobrir os caminhos pelos quais o Senhor a chama para aderir e responde ao que Ele lhe pede. Ele espera cada pessoa humana intensamente e muitas vezes não é encontrado porque os homens ocupam com outros afazeres e não Lhe dedicam tempo e interesse. O cristão deve encarar a sua vida como um relacionamento pessoal com Deus que exige mútua comunicação. Portanto, ao entrar nesta relação sentirá a necessidade de comunicar-se com Deus e com a humanidade e de comunicar sua própria oração como resposta ao mundo.

2.      O desejo do homem em responder ao amor de Deus

Ao contemplar o homem que funda a sua vivência cristã na sua experiência pessoal com Deus, percebe-se que se cria uma relação consciente na qual a pessoa permite-se amar e deseja responder com amor. Ao se abrir ao amor divino, o ser humano é convidado a correspondê-lo e esta resposta sempre levará a pessoa a lugares nunca antes imaginados. O seu relacionamento com Deus será marcado por uma vocação nascida do amor recebido e do desejo em responder.
À medida que a pessoa discerne um chamado a uma vocação específica, a sua resposta o conduzirá a uma entrega que o tornará mais livre. Há uma profunda sensação de ser totalmente amado e se produz um anseio de amar na mesma medida. Há uma necessidade do seu coração de se entregar a algo além de si mesmo e cada pessoa experimentará de modo diferente esse desejo de se dar (BENNER, 2006, p.33). A partir do amor único que Deus tem por cada pessoa, esta é capaz de responder com autenticidade e também de forma única.
É preciso, pois, que a pessoa estreite o seu relacionamento com o Senhor a fim de que quanto mais sentir-se amada, mais deseje amar com sua verdade. Em muitas circunstâncias, a pessoa interrompe esta relação, pois ainda sente certa relutância em se revelar a Deus, principalmente as suas limitações e fraquezas. Tal relação irá se deteriorar se a pessoa esconder consciente ou inconsciente os seus sentimentos, pensamentos e atitudes. Se começar a procurar os próprios gostos e consolações, correrá também o risco de se afastar do que verdadeiramente o plenifica. O enfoque na culpa também inibe o crescimento da experiência pessoal com Deus (BARRY, 1995, p.32-33).
Muitas vezes, a pessoa vocacionada substitui o amor de Deus por outros motivos no que diz respeito ao sustento do chamado. Ela cresce no conhecimento intelectual em relação a Deus e diminui o fervor de sua oração e do seu encontro pessoal com Ele. É preciso aprender a se entregar a vontade divina e a preferi-la ao contrário da própria vontade. Somente quando a pessoa reconhecer que o fundamento de seu chamado é a sua experiência com Deus que ela responderá a Sua vontade com alegria e não como obrigação (BENNER, 2006, p. 71-72).
A maioria dos desafios enfrentados por aqueles que fazem a experiência do chamado nascem do conhecimento do amor de Deus. Ao se deparar diante de uma vocação, o homem teme perder a própria identidade por medo do que Ele possa pedir. Todos aqueles que escutam um chamado particular sentem, por vezes, medo da intimidade, de perder o controle, da opinião pública, de perder um sentimento reconfortante, se ser abandonado, da dor, de não ser amado, da própria capacidade de amar, dentre outros. Ao reconhecer os próprios temores, o homem se torna mais honesto e humilde e ele encontrará a Deus justamente nestes lugares onde se sente mais vulnerável. É ali que o homem experimenta da sua fragilidade, mas também experimentará do amor infinito de Deus se tiver a coragem de se arriscar. Esta entrega é um ato de profunda confiança a vontade do PAI, pois nela a pessoa se dispõe a recebê-Lo e a permitir que Ele viva dentro de si. O amor divino libertará o homem de todos os sentimentos de culpa e ele será livre para amar como é amado (BENNER, 2006, p. 50).
Diante do chamado, o homem tem a liberdade de se lançar ou não ao amor divino para ser liberto das tensões e medos que o aprisionam. Este é o principal desafio da vida espiritual: deixar-se conquistar por Deus e diminuir-se diante d’Ele a fim de se entregar ao amor e amar se entregando. Através dessa atitude, assumem a vocação particular tendo a experiência pessoal com o Senhor como o fundamento da mesma. Todo o seu agir seja sempre uma resposta a Deus. Assim, toda a sua existência, os sentimentos, pensamentos e atitudes se conformará gradativamente a imagem de Cristo Jesus (HOUDEK, p.100).

3.      A configuração com Cristo como fruto da oração

Nesse sentido, a espiritualidade cristã se resume em seguir a Cristo pobre, casto, obediente e imitar a sua oferta na cruz. Para tanto, seguir este exemplo exige disposição para se entregar e a pessoa somente se assemelhará a medida que assimilar em si a vida de Jesus através da oração. Sendo também o objetivo da vida consagrada imitar o Filho, aqueles que se sentem chamados a esta vida se esforcem para viver cotidianamente o seu encontro com Deus. A vida espiritual conduzirá a um processo de morte e ressurreição na vida daquele se põe a seguir a ponto deste viver uma transformação do seu modo de agir. É diante d’Ele que experimentará da morte do homem velho e o despertar do homem novo (BENNER, 2006, p.78).
Tal conformidade não é uma condição para viver tal relação, mas se torna uma exigência do amor que faz com que o amado queira ser como o amante. Esta conformação é gradativa e necessita de oração para que o homem contemple a vida do Cristo no Evangelho e permita ser moldado pela ação do Espírito. Tornar-se outro Cristo não é um ato da força de vontade, mas dom de Deus derramado sobre a vida do homem (BARRY, 1995, p. 75).
Todos os consagrados, para viverem a vocação com autenticidade, se entreguem de todo coração para conformarem suas vidas a vida de Jesus. Aquele que é chamado a uma vocação sente a necessidade de viver de Deus para que outros percebam a presença divina no próprio agir sem ser necessário falar. Para se discernir a oração, precisa-se ver o amor crescendo como testemunho da própria vida, pois a qualidade da relação com Deus é revelada na forma de agir daqueles vivem esta experiência. A experiência autêntica do amor não somente aquece o coração humano, mas o afeta profundamente de forma que a vida do homem já não pode ser a mesma.
O membro de uma instituição religiosa muitas vezes é ciente da necessidade de sua mudança pessoal, mas se desanima ao se deparar com a diferença entre sua realidade interior e a vida a qual é chamado por Deus. Assim, a pessoa jamais é transformada, pois não se dispõe em abrir mão dos próprios sonhos de realização para abraçar aqueles que o próprio Deus sonhou para ela. Para não desistir perante o ideal da vivência evangélica, o consagrado baseie a sua conversão não em seus esforços e na própria determinação.
A pessoa ao conhecer a verdade do próprio coração se entregue ao amor mostrando toda a sua pobreza e pequenez. Portanto, é preciso correr dois riscos: ousar aceitar a si próprio e se lançar no amor ao se sentir vulnerável. A essência da conversão é a aceitação do amor de Deus e esta atitude deve se tornar um modo de vida do cristão (BENNER, 2006, p. 83-84).
O consagrado aprenderá a trazer cada dia um pouco de si para a presença de Deus permanecendo diante d’Ele o tempo necessário para ser curado em suas feridas. Ao se abrir ao amor divino, ele se dispõe para ofertar a própria vida pela Igreja e pela humanidade. De certa forma, toda a vida humana, suas dores e aflições, suas alegrias e esperanças afetarão a vida do homem consagrado e lhe dirá algo a respeito. À medida que o desejo de orar provém do anseio em servir e não em satisfazer a si próprio, as tendências egoístas do consagrado serão crucificadas através do amor de Deus que será impresso em seu coração. Ir até o outro com a mesma exigência que se vai até Deus revela como a pessoa se permite ser impulsionada pelo amor recebido na oração. Assim, uma comunidade de consagrados orantes é uma comunidade de pessoas comprometidas no amor, pois ali o trato que se tem com Deus qualifica o trato com os irmãos (SCIADINI, p.53).
Ao seguir com tamanha confiança, o consagrado vive como um amigo íntimo de Deus e oferta a Ele mais do que um comportamento exemplar, mas o próprio coração e a própria vontade. Consciente da presença de Deus, em tudo vê o amor divino por si próprio e permite ser guiado pelos movimentos do Espírito em sua alma (SCIADINI, p. 76-77).
Por fim, que o consagrado se relacione pessoalmente com Deus e permita se conhecer para que Ele se revele em plenitude. Assim, aquele que se consagra entregue totalmente a sua vida nas mãos do amor com confiança e exclame: Abba. Na oração, que o consagrado viva um relacionamento pessoal com o Pai e ouse em respondê-Lo com amor. Nada mais dará sentido a sua vida do que viver este encontro.

CAPÍTULO III – ACOMPANHAR A ORAÇÃO PARA SE FORTALECER O CARISMA



A força do sagrado emergiu nas últimas décadas, ao contrário de algumas previsões que apostavam em um mundo sem religiões. Diante deste contexto, o Espírito suscita a Igreja a se adequar as novas realidades da sociedade a fim de continuar a sua missão de anunciar a Jesus Cristo à humanidade. Surgem, portanto, novos carismas que se institucionalizam através dos chamados Novos Movimentos Eclesiais (NME) e Novas Comunidades (NC).
Alguns destes movimentos, no caso as NC, vivem a espiritualidade da Renovação Carismática Católica a qual propõe uma abertura maior a ação do Espírito. O fundamento da vida cristã nesta Corrente de graça é a experiência direta com a pessoa do Filho e não o conhecimento doutrinal ou a prática moral (FERREIRA, 2012a, p.35).
Grande parte das NC surgiu a partir de grupos de oração cujo objetivo principal era levar as pessoas a viverem esta efusão no Espírito. Estas realidades envolvem a pessoa em sua totalidade através de uma vida de fraternidade, de oração, de partilha dos bens e com a vivência dos compromissos evangélicos. Portanto, “é prioridade iniludível o aprofundamento da experiência de fé, a experiência do encontro e do seguimento de Cristo, de modo a propor com força a vocação universal à santidade” (FERREIRA, 2011b, p.85).
Em uma relação autêntica com Deus, os membros das NC são arrancados do intimismo e impelidos para seguir a Jesus para dar uma resposta às necessidades da humanidade. A vida espiritual nestas instituições ocorre principalmente através da vivência dos sacramentos e da oração e meditação das Sagradas Escrituras. É necessário que as NC conduzam os seus membros através de uma formação que tenha como pedagogia o encontro pessoal com Deus e a escuta de Sua voz.

1.      O relacionamento com Deus como base para o Projeto Formativo

Para que a formação das NC contribua verdadeiramente para o crescimento dos seus membros, há de ser constante que os convide a um encontro pessoal com Deus. Neste caminho, os conhecimentos adquiridos nas diversas áreas de formação não permanecerão no nível do intelecto, pois este caminho formativo com base na experiência pessoal permitirá ao membro aderir com o coração à vida de Cristo. Nesse sentido, é necessário que a vida de oração motivada pelas NC contribua para uma troca de olhares em que a pessoa se apaixone pelo Cristo e permita ser penetrado pelo Seu olhar. Há de se cuidar para impulsionar cada membro a viver uma experiência autêntica cujas consequências o transformarão inteiramente em sua mentalidade e na sua forma de vida (FERREIRA, 2012b, p.26).
Ao adotar este caminho, as NC compreendem o ser humano como capaz de se abrir ao divino e sentir-se amado por Deus e amá-Lo. Neste acolhimento da unicidade absoluta do Senhor, o consagrado recusa a controlar a própria vida para viver a liberdade de ser tocado e conduzido por Ele. A pessoa descobre sua liberdade mais autêntica e efetiva ao experimentar de um amor livre e libertador que não se impõe ou põe condições nem obriga o outro a retribuir com amor. Esta lógica do amor divino constrange o ser humano e ao conhecê-lo deseja entregar sua liberdade nas mãos de Deus (CENCINI, p.155-160).
O Paráclito opera a conversão do coração humano e transforma a sua visão de mundo e sua capacidade de julgar as circunstâncias do dia-a-dia na perspectiva da fé cristã. Assim, para alcançar o objetivo de qualquer projeto formativo que é conduzir o membro a se conformar a vida de Jesus é preciso colocar no centro a relação pessoal da pessoa com Deus. A fé se professará na vida cotidiana, pois ele viverá todas as suas atividades e a sua relação com o mundo orientado para a maior glória de Deus.
As NC se cuidem para não conduzirem os seus membros a um relacionamento intimista e inócuo no qual estes se tornam indiferentes às necessidades do mundo. Manter essa convicção garante a fidelidade ao carisma originário inspirado ao fundador como uma resposta as necessidades da Igreja e do mundo. Se o projeto formativo das NC conduzirem os membros para uma relação pessoal com Deus contribuirão para o amadurecimento de autênticos cristãos conscientes da identidade batismal e da própria vocação e missão.
Assim, para ser fiel ao carisma original, é necessário que as NC se empenhem no acompanhamento dos seus membros a fim de auxiliar no discernimento espiritual para que sejam conduzidos pelas moções do Espírito de Deus.

2.      A capacidade de discernir como fonte de liberdade

Se os projetos formativos adotarem como pedagogia o encontro do homem com Deus, há de ser levado em conta o caráter dialógico desta relação. Com liberdade e docilidade, é imprescindível se por a escuta do Espírito para adentrar no mistério divino que lhe concederá sentido e realização de vida. Para tanto, os membros das NC precisam crescer no exercício do discernimento espiritual para julgar as moções que os inspiram a realizar a vontade divina no cotidiano. Este é um “processo pessoal pelo qual o indivíduo vem a entender, interpretar e atuar sobre os movimentos autênticos do Espírito de Deus em sua experiência pessoal” (HOUDEK, p.110).
Por meio do discernimento, o membro compreenderá com mais clareza por quais caminhos Deus o chama a seguir, bem como será capaz de distinguir os estímulos que o movem interiormente para respondê-Lo. Por meio dele se distingue as moções do Espírito “das ilusões e seduções do mal, bem como de nossa própria vontade ou de nossos instintos egoístas” (GONZALEZ-QUEVEDO, p.11).
Muitas pessoas se encontram perdidas em relação à própria vida desejando que outros discirnam por eles enquanto há aqueles que vivem com “discernimentos prontos” fundamentados em projetos pessoais. Diante das diversas circunstâncias, o consagrado deverá ter claro o conhecimento da situação e de si próprio para julgar diante de Deus os movimentos que agem dentro de si. Um projeto formativo que auxilia a pessoa a crescer no relacionamento com Deus proporcionará meios para que seus membros reconheçam e respondam os apelos divinos que ecoam na própria interioridade (FERREIRA, 2012b, p.24). Ferreira ainda afirma que “promover a liberdade humana para que a pessoa responda por si mesma a Deus deverá ser sempre um imperativo ético para qualquer projeto formativo” (2012b, p. 65)
Por esta via cria-se o que Santo Inácio chamava de amor de discernimento: discernir é uma função da relação pessoal com o Senhor e esta capacidade será mais profunda e mais sólida quanto mais for a própria relação. Este amor de discernimento conduz a verdadeira liberdade espiritual (GREEN, p.64-65).
A vontade divina muitas vezes não é clara e perturba o homem, porque ele se encontra ainda demasiadamente apegado aos seus pecados e as paixões desordenadas. Isso faz com que muitos membros das NC não estejam dispostos a dar a Deus o que Ele pede. Desejar a vontade divina implica permitir ser surpreendido por Ele para ofertar o que for pedido. Portanto, o amadurecimento do discernimento e da relação pessoal com o Senhor exige um custo que poucos desejam pagar: “a obscuridade, a responsabilidade pessoal por nossas escolhas, a necessidade de conhecer a Deus e compreender Seus caminhos para nós” (GREEN, p.12).
Os projetos formativos das NC devem propor um acompanhamento no qual seus membros aprendam como discernir, como serem responsáveis pela própria vida e como crescer no relacionamento com Deus. Somente o amor garante a revelação do plano divino para cada um e somente o Espírito confirma no interior do ser humano o entendimento adequado. Para tanto, o consagrado amplie a percepção da sua relação pessoal de forma a abranger novas experiências nas quais se formam a palavra de Deus.
Segundo André Louf, “Deus deseja ardentemente despertar todos os crentes a esta graça do discernimento para dar-lhes uma capacidade semelhante de estar concordes ao do Espírito Santo em seus corações” (p.27). Assim, a arte de discernir necessita de uma atenção interior aos movimentos do Espírito que impulsionam a oração e a ação. Neste sentido, se encontra o sentido do compromisso com a humanidade, pois a pessoa perceberá os movimentos em seu interior ou em sua ação que a aproximam ou a afastam do outro.
Tendo em vista que o discernimento implica agir conforme as moções do Espírito, o consagrado deverá se dispor a renúncia dos planos pessoais para acolher a vontade divina e suas consequências. Toda atitude de justificação, dureza de coração, imposição das próprias ideias, recusa do outro, autoritarismo, abuso de regras para dominar, ambição pela perfeição são opostas ao discernimento.
Para o crescimento dos carismas originais, o que deve mover o coração dos membros não são tanto as diretrizes ou práticas morais, mas a experiência concreta de ser guiado pelo Espírito. A base para o discernimento deverá ser a natureza real daquilo que move o coração do consagrado para tomar uma decisão e até que ponto este desejo pode ser assumido de forma concreta (LOUF, p.18).
Se o consagrado não crescer na arte do discernimento, ele corre o risco de se enganar e destruir a si mesmo ao invés de seguir pelos caminhos que Deus o convida. A partir deste amadurecimento, esta pessoa se sensibilizará em relação a presença divina e amadurecerá no discernimento das ações do Espírito que agem em seu coração.

3.      As contribuições da orientação espiritual para as NC

Diante das muitas e variadas vozes que a pessoa ouve em seu interior, é necessário discernir de onde elas procedem, o que realmente significam e por qual se permite mover. Aprofundar-se na relação com Deus e discernir a Sua voz não é uma simples tarefa e viver este itinerário sozinho é um grande risco. Portanto, se faz necessário um companheiro que auxilie pelo caminho certo para que a pessoa alcance uma intimidade com Deus e reconheça a Sua ação em seu interior. Santa Teresa dizia que se renovasse toda a realidade exterior de um mosteiro e se percebesse externamente os desafios de uma pessoa em perseverar, o melhor por fazer ainda seria proporcionar a assistência de um “mestre de oração” (SCIADINI, p.67-68).
Ao longo deste trabalho, um dos pontos discutidos foi a importância do encontro com Deus em vista da configuração do homem com Cristo, em especial dos membros das NC. Para acolher os projetos divinos na própria vida, aqueles que desejam consagrar as suas vidas precisam permitir que seus pensamentos, afetos e decisões sejam conformados a Cristo. Tendo em vista as diversas moções experimentadas no coração humano, os diversos projetos formativos propõem um acompanhamento a fim de auxiliar os membros a responderem a própria vocação.
Neste contexto, apresentar-se-á uma das propostas de acompanhamento sugerida pelas NC e logo após os contributos da orientação espiritual para a mesma. Cabe recordar que o objetivo desta explanação é apresentar as contribuições da orientação espiritual e não realizar nenhuma análise crítica.
Um dos caminhos propostos pelas NC para acompanhar os seus membros é o chamado “formador pessoal”. Este tem sido compreendido como “o instrumento utilizado por Deus para levar a pessoa a descobrir no Espírito Santo o seu itinerário espiritual e assim, à luz de Deus, cumprir a vontade divina para a sua vida” (NOGUEIRA; PERDIGÃO; QUEIRÓS, p.115). Nesse sentido, a sua missão é auxiliar a pessoa a se conformar a Cristo para realizar em plenitude a identidade batismal, a vocação e o carisma para o qual foi criado. Os chamados encontros formativos acontecem mensalmente e o foco é a vida e a pessoa do formando a luz do carisma e do projeto de Deus para sua vida. São abordados nesses colóquios pontos referentes a vida espiritual, familiar, afetiva, fraterna, apostólica, dentre outros.
Ao abordar estas realidades, o formador auxiliará o formando a perceber o que o impede de responder o projeto divino e o carisma e a reconhecer todas as suas potencialidades de colaborar com o Senhor para ser liberto das suas paixões (PERDIGÃO, p. 21). Não tem como objetivo aconselhar nem solucionar problemas, mas ajudar o formando a crescer em sua relação com Deus a fim de penetrar na sua própria verdade e no chamado conforme o seu carisma específico. A formação pessoal, para ser autêntica, contribui para um crescimento responsável do formando a fim de que ele seja capaz de decisões autônomas.
O grande fruto da formação pessoal será a conversão da pessoa através de uma libertação de tudo o que a impede de viver o projeto divino. O papel do formador se estende em outras NC como aquele que anima a pessoa a responder conscientemente a sua vocação com fidelidade fecundando o carisma entre os membros.
No que diz respeito a orientação espiritual, o que esta prática auxiliaria no contexto das NC? A orientação espiritual é uma forma de acompanhamento no qual se focaliza o relacionamento da pessoa com Deus, isto é, sua oração. Ao compreender a oração como uma relação consciente com Deus, então o foco do acompanhamento é o que acontece com a pessoa quando está consciente da presença divina. Portanto, o orientando expressa a sua experiência de fé e mistério. Sendo assim, o objetivo primeiro da orientação espiritual é auxiliar a pessoa se tornar consciente de um relacionamento com Deus que já existe. Posteriormente, o orientador a auxiliará a se atentar aos apelos do Senhor e as suas reações pessoais a Ele. Nesse sentido, a pessoa descobrirá a origem, o caráter, a qualidade, o movimento e os padrões dos quais surgem as moções em seu interior. Ao crescer em discernimento descobrirá o que procurar dentro de si próprio (BARRY, 1995, p.78).
A orientação espiritual auxiliará a pessoa a estar atenta a comunicação pessoal de Deus e a respondê-Lo, no crescimento da intimidade com Ele e para aumentar a coragem para viver as consequências dessa relação. Este tipo de orientação é um encontro pessoal coloquial no qual o propósito principal é expressar a experiência com um Deus que existe, se revela e convida o homem a uma relação. Contribui para uma “tomada de decisão discernida, isto é, os orientandos consistentemente tomam decisões em união com sua experiência pessoal, específica e única de Deus, de si mesmos e dos outros” (HOUDEK, p. 154). Ainda segundo Houdek, “a orientação espiritual torna-se, então, um caminho para ajudar outros a entender, integrar e se dedicar a uma vida de encontro, empenho e entrega aos movimentos do Divino” (p.21).
Quando este modelo de acompanhamento coloca a experiência com Deus em primeiro plano, evidencia-se o amor divino pela pessoa e ajuda as mesmas a prestarem atenção aos movimentos do Espírito nas diversas circunstâncias da vida. Estes movimentos devem impelir em direção a caridade e a compaixão pelo próximo para que a pessoa conforme-se a Jesus em seu comportamento sem uma obrigação moral, mas por um apelo divino.
Assim sendo, ao se expor as características da orientação espiritual verifica-se que a mesma contribuirá para o amadurecimento das relações de acompanhamento no âmbito das NC. Nutrir o carisma na relação pessoal com Deus proporciona aos membros uma obediência à ação do Espírito que os conduzirá a perfeita liberdade para que se tornem o que são chamados a ser.

CONCLUSÃO



Ao abordar a orientação espiritual como contribuição para o amadurecimento das NC, desejou-se contribuir, sobretudo, para a preservação do vigor do carisma original. Através de uma experiência pessoal com Deus, é que os fundadores apaixonaram-se com Cristo e decidiram por segui-Lo por onde Ele for. Eles não foram movidos por nenhuma ideologia nem por uma imposição moral. Não buscavam status nem desejavam honras. Não conheciam métodos nem se firmavam sobre planejamentos e formas. Importava para eles responder ao amor com o qual foram amados.
É nesta experiência de sentir-se amado e desejar responder a este amor que os carismas se fundam. O Papa Francisco, em seu discurso aos participantes do III Congresso dos Movimentos Eclesiais e das Novas Comunidades, afirmou que a novidade dos NME e das NC consiste na predisposição para responder com renovado entusiasmo à chamada do Senhor. Esta coragem evangélica permitiu o nascimento destes novos movimentos e comunidades. Nesse sentido, as estruturas externas são importantes para a institucionalização dos carismas, mas o que os preservará é o encontro com Deus. Por isso, é importante construir os projetos formativos das NC sobre um itinerário espiritual que contribua para o amadurecimento de uma verdadeira experiência com o Senhor. Ao contrário, corre-se o risco de se fechar as novidades do Espírito e sufocar o carisma. Cabe recordar que a grande novidade do Espírito não é a concentração de grandes multidões nem a produção de espetáculos, mas uma vida que imite a Jesus Cristo através de um carisma específico.
Estes carismas são, portanto, um dos meios inspirados pelo Espírito para a santificação do povo de Deus, em especial dos leigos. Para tanto, faz-se necessário que aqueles que se sentem chamados a seguirem por estes caminhos firmem também a base de suas vocações na experiência pessoal com o Senhor. Estas precisam caminhar em seu próprio tempo e a sua própria maneira com Cristo e se enamorarem d’Ele. Nesse sentido, torna-se mais autêntico o testemunho cristão quando as pessoas desejarem permanecer com Cristo e se conformar com Ele. Este é a verdadeira conversão: se sentir amado por Deus e responder a este amor até se conformar com o Amado. Os comportamentos das pessoas transformar-se-ão através desta relação de amor e não através de uma imposição de condutas morais, doutrinárias ou ainda espirituais. Diversas modas fantasiam o testemunho cristão e é uma tentação se submeter às mesmas. Esta via fere a liberdade das pessoas e ocasiona muitas vezes uma desilusão em relação a Deus. Urge, portanto, conduzir os membros das NC a uma experiência pessoal com o Senhor.
Para um amadurecimento desta relação que fundamenta a pessoa em seu carisma específico, é necessário um acompanhamento especial. As NC necessitam acolher e acompanhar os seus membros e aqueles que se aproximam sem pressioná-las, mas sabendo acompanhar o processo de amadurecimento de cada uma. Este caminho necessita de companheiros para ser trilhado para aprenderem a reconhecer a voz de Deus e discerni-la dentro de si. A sabedoria de um projeto formativo se encontrará na paciência em saber esperar os tempos de cada pessoa. Esta é a atitude de Deus para com o seu povo: Ele é paciente e espera por cada um. As contribuições da orientação espiritual permitem com que os responsáveis pelo acompanhamento pessoal dos membros nas NC saibam esperar o amadurecimento das pessoas. Este processo é exclusivo da pessoa e ela crescerá a medida que se abrir ao amor. Assim, se vencerá a tentação de impor comportamentos e modos de agir conforme a conveniência.
Por fim, ao concluir este trabalho, aponta-se que a orientação espiritual contribui em três pontos fundamentais. O primeiro apresenta o entendimento de que um carisma é fruto de uma experiência com Deus. Em seguida, propõe-se esta relação como base para a conformação da pessoa com Cristo através de um carisma. Por fim, entende-se que adotar um estilo de acompanhamento tendo como referência a orientação espiritual auxilia a pessoa a crescer nesse relacionamento a fim de que responda com mais fidelidade a vontade de Deus. Estas são as três principais propostas deste trabalho.
Tendo em vista a ausência de estudos nessa área no âmbito das NC, visou-se apenas iniciar uma discussão sem realizar nenhuma análise crítica acerca dos métodos propostos. Sendo o fenômeno das NC ainda recente, a Igreja ainda estuda diversas realidades internas em relação as mesmas, bem como são produzidos trabalhos pelos membros destas instituições e também outros. Pelo fato de se assemelharem com uma estrutura interna a vida consagrada religiosa, há muitos pontos referentes a formação e ao modo de vida que são parecidos. Assim, os processos formativos seguem um mesmo padrão e forma de acompanhamento. Dessa forma, é possível que algumas reflexões deste trabalho contribuam também para a vida religiosa em geral.
Por fim, a experiência espiritual com Deus inflamará o coração das pessoas com o desejo de se assemelharem com Jesus. Que não se perca tal vigor. As NC não se iludam em querer ser o único caminho para a santificação das pessoas nem se transformem em lugares de doutrinação. Ao contrário, favoreçam uma resposta livre, responsável e madura ao amor de Deus. O importante é Jesus. A coerência de vida se encontra no encontro pessoal com Ele que permite ao homem uma mudança de vida. Não é um fato social. Por fim, o Papa Francisco faz o apelo para que as NC se coloquem sempre a caminho e abertos as surpresa de Deus que estão em sintonia com o carisma fundamental.

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