A IMPORTÂNCIA DA ORIENTAÇÃO ESPIRITUAL NO CONTEXTO DAS NOVAS COMUNIDADES
RESUMO
O presente trabalho propõe uma reflexão acerca da importância da
relação pessoal com Deus e o acompanhamento da mesma no contexto das Novas
Comunidades. Ao longo da história, o Espírito suscitou diversos carismas para
responder as necessidades da Igreja e do mundo. Estas experiências carismáticas
são fruto de uma autêntica relação com Deus e a partir delas se fundaram
diversos movimentos. Desta forma, por se originarem da experiência do fundador
com Deus, os carismas se tornam itinerários espirituais que conduzem os seus
membros a se aprofundarem nessa relação. Urge, portanto, aprofundar no significado
da oração como relação pessoal com Deus e a importância da mesma no contexto
das Novas Comunidades. Há um desejo divino em se relacionar com o homem e,
portanto, o Espírito inspira novos caminhos para se chegar a união com o Pai e
para que o homem se configure com Cristo. A proposta é sugerir o relacionamento
com Deus como base para os projetos formativos, pois nele o consagrado se
conformará a Cristo em seus sentimentos, pensamentos e atitudes. O consagrado,
ao aprender a discernir os movimentos do Espírito em seu interior, se tornará
mais sensível aos apelos de Deus e compreenderá aquilo que o permite realizar a
vontade divina ou o que o afasta. Para tanto, se faz necessário de um
acompanhamento específico do relacionamento pessoal do consagrado com Deus a
fim de auxiliar no crescimento desta experiência. Assim, a orientação
espiritual se atualiza nas novas formas de via consagrada e contribui para que
os membros das Novas Comunidades se conformem a Cristo.
Palavras-chave: Carisma. Novas comunidades. Oração. Discernimento.
Orientação espiritual.
Sumário
INTRODUÇÃO
As NC são um fenômeno eclesial e
social na sociedade moderna. Estes estilos de vida surgidos no último século
demonstram a ação do Espírito sempre atuante na vida da Igreja e no mundo. Ao
longo da história, surgiram diversos carismas em locais e épocas diferentes que
se tornaram meios para as pessoas viverem um relacionamento com Deus. Muitos
contribuíram com itinerários espirituais específicos, com uma vasta literatura
cristã e, sobretudo, com testemunhos diversos de homens e mulheres que se
tornaram santos porque se conformaram com Cristo. Qual teria sido a
contribuição dos seus carismas para a santificação destes membros? Quais meios utilizados
por estas instituições contribuíram para que esta conformação com Cristo?
É certo que os carismas foram fonte
de renovação para a vida de diversas pessoas. Daí a importância de não perder e
lhe serem fiéis. Ao valorizar os carismas, se estima o fato de que estes
surgiram por uma inspiração do Espírito. Portanto, são também fontes nas quais
é possível se realizar uma experiência semelhante. Se no passado geraram tantos
frutos para a Igreja e para a humanidade, quais seriam os frutos para os tempos
atuais? Como proporcionar que deem frutos “cem por um”?
Diversos questionamentos colocaram em
movimento a realização deste trabalho. Ele está dividido em três capítulos que
buscam refletir sobre a importância da experiência pessoal com Deus para os
novos carismas.
O primeiro capítulo visa refletir
sobre o que fundamenta o surgimento dos carismas e, no caso, das Novas
Comunidades. Apresentam-se alguns pontos acerca do contexto social e eclesial
do qual surgiram estes novos movimentos a fim de destacar o surgimento dos
carismas como uma iniciativa de Deus para que os homens se relacionem com Ele. Os
carismas surgem de uma relação com o Senhor e se tornam lugares para convidar e
acompanhar a humanidade neste relacionamento. As reflexões apresentadas têm
como base o pensamento de Wagner Ferreira, Renato da Silveira Borges Neto e
Ronaldo José de Sousa, membros de Novas Comunidades, bem como do Papa João
Paulo II.
Já o segundo capítulo introduz uma
reflexão sobre esta iniciativa pessoal de Deus para se relacionar com o homem
de forma pessoal. Deseja-se refletir sobre os fundamentos dessa relação e sobre
a contribuição da mesma para a conformação do ser humano com Cristo. Nesse
sentido, destaca-se qual seria a importância desta relação no âmbito das NC. Os
autores utilizados para as discussões desse capítulo são William Barry, David
Benner, Frank Houdek, André Louf, e Patrício Sciadini.
Por fim, o terceiro e último capítulo
tem como objetivo discutir a importância da experiência pessoal com Deus no
projeto formativo das NC a fim de destacar a necessidade do discernimento e da
orientação espiritual. Sendo este tipo de acompanhamento uma tradição antiga na
história cristã, faz-se necessário perceber quais seriam as contribuições das
mesmas para as novas realidades eclesiais. Abordam-se os pensamentos William
Barry e William Connolly, Wagner Ferreira, Luís González-Quevedo, Thomas H.
Green, Frank Houdek, Maria Emmir Oquendo Nogueira, Germana Perdigão, Maria
Goretti Menezes e de Patrício Sciadini.
Sendo os
carismas originados por uma inspiração do Espírito que os anima, há de se
discutir acerca dos meios que contribuirão para que os mesmos não percam o
fervor e a originalidade iniciais. Deus impulsiona o homem a ir além e lhe
apresenta percursos para percorrer para responder ao amor divino. As próximas
páginas desejam apresentar pistas que iluminem os caminhos das NC para que os
seus membros respondam ao amor de Deus e se conformem a Cristo sendo fiéis ao
carisma original.
CAPÍTULO I – Novas Comunidades, lugar de uma experiência com Deus
Desde o princípio do Cristianismo,
muitos homens e mulheres permitiram ser tocados pelo Amor de Deus em suas
vidas. Tal acontecimento se revelou na vida de cada uma dessas pessoas como um
verdadeiro divisor de águas capaz de mudar rumos e transformar inteiramente o
modo de agir. Foi através desta experiência, a partir dos apóstolos e das
primeiras comunidades cristãs, que se difundiu pelo mundo um novo anúncio que
se fazia pelas palavras, mas muito mais além pela novidade expressa na vida de
tais pessoas.
Este encontro de Amor vivenciado por
uma multidão de homens e mulheres é o responsável pela transformação destes em
novas criaturas em Cristo. Este Amor os colocou em movimento e estimulou o
anseio a muitos corações de se parecerem com o Cristo e em seguir suas pegadas.
Somente uma experiência de intimidade com Jesus é capaz de marcar profundamente
a vida de uma pessoa e realizar uma transformação em sua vida.
Somente um encontro pessoal com Deus
é capaz de mover o coração humano a se ofertar inteiramente e se consumir por
Amor. É este encontro que plenifica a vivência de cada cristão. De modo
especial, salienta-se a vivência daqueles que se sentem chamados a responder a
Deus de um modo específico a partir de uma vocação particular.
Para sustentar essa afirmação,
percebemos na história da Igreja como o Espírito Santo agiu de forma específica
para suscitar novas formas de seguimento de Jesus Cristo através dos tempos. A
Providência suscitou numerosos e diversos carismas em fases cruciais da
história humana a fim de responderem às necessidades da Igreja e do mundo
(FERREIRA, 2011b, p. 41). Para responder a tais urgências, os carismas
assumiram diversas formas de organização interna o que caracteriza o elemento
dinâmico e reformador presente na ação do Espírito que renova a comunidade
cristã. Cada forma de seguimento surgiu a partir de uma ação do Espírito Santo
que permitiu com que o Evangelho assentasse profundas raízes na Igreja, no
mundo e no coração de cada pessoa que se dispôs a seguir o Cristo. Assim,
cada época da Igreja conhece verdadeiros
movimentos eclesiais que se manifestam como respostas tempestivas as
necessidades do tempo e que florescem em formas variadas, visto que Deus não
deixa nunca de adorná-la com novos e preciosos dons (NETO, p. 18).
A partir deste entendimento,
entende-se que os diversos movimentos que surgiram nas diversas épocas são uma
resposta de Deus às necessidades do homem em um determinado tempo.
Nos últimos tempos, muito homens e
mulheres vivenciaram uma experiência pessoal com o Cristo e se colocaram a
segui-Lo por onde quer que Ele fosse. Estes foram conduzidos pela ação do
Espírito Santo a responderem de forma particular a Deus e a imitarem o Seu
Filho através de novos carismas que se fundamentaram em uma nova forma de
vivência consagrada: os Novos Movimentos Eclesiais e as Novas Comunidades.
Estes surgiram para este tempo a fim de responderem às necessidades atuais do
homem e da Igreja.
1. A presença de Deus na história da Igreja e da humanidade
O intuito deste ponto é apresentar as
Novas Comunidades como uma resposta do Espírito às necessidades da Igreja e do
mundo. Para tanto, a compreensão deste trabalho não é colocar estas expressões
como superiores aos movimentos que o Espírito suscitou ao longo da história nem
realizar análises sociológicas. O interesse é apenas abordar que o Pai continua
a convidar os seus filhos e filhas a uma relação de intimidade a fim de
despertar em seus corações o desejo de seguirem a Jesus pela ação do Espírito
Santo.
As diversas formas de seguimento de
Cristo foram inspiradas pelo Espírito de acordo com as realidades vivenciadas
em cada período histórico: seja a época da ocupação romana à sua queda com a
invasão dos bárbaros, seja no período feudal ou no renascimento cultural, ou ainda
com as grandes navegações, a abertura ao mercantilismo, as revoluções
iluministas ou a industrial. Assim, para cada momento na história humana e em
determinados lugares, surgiram homens e mulheres que fizeram uma experiência
com Deus e foram conduzidos por Ele a iniciarem uma nova obra de seguimento de
Jesus Cristo. Isto é, cada nova obra surge de uma experiência com Deus e para
auxiliar as pessoas a vivenciarem a sua experiência com Deus. Desta forma, os
Novos Movimentos Eclesiais (NME) e as Novas Comunidades (NC) são chamados a
encarnarem o próprio Carisma no mundo. Assim sendo, os NME e as NC “encontram
seu significado mais profundo a partir de uma experiência, de um encontro
extraordinário e misterioso com o evento cristão” (FERREIRA, 2011b, p.42,).
Os tempos atuais nos quais surgiram
os NME e as NC são marcados por forte secularização que se iniciou em meados do
século XIX e percorreu todo o século XX até os tempos atuais. A secularização é
o fenômeno com o qual as instituições religiosas ou qualquer sistema religioso
passam a não mais determinar a vida da sociedade em todos os âmbitos cultural,
político, econômico, social. Este subjetivismo é uma das características
marcantes da mentalidade contemporânea e faz com que a pessoas busquem em si
mesmas o que determinara o seu comportamento gerando certa relatividade
(FERREIRA, 2011b, p.17).
Ao adentrar neste processo, o homem
contemporâneo começa a buscar a verdade a partir deste subjetivismo
individualista. Ele alega para si uma pretensa autonomia e liberdade que o
conduz a uma sensação de vazio e de perda de sentido da própria existência. Há
uma profunda perda da interioridade e o homem se percebe extremamente frágil
perante o mundo (FERREIRA, 2011b, p.23). O crescimento do individualismo faz
com que a coletividade também decline proporcionando também um rompimento com o
princípio de comunidade. Como consequência, o sentimento de insegurança cresce
dentro da sociedade contemporânea “em virtude da ausência de vínculos de
pertença” (SOUSA, p.19).
A ausência de respostas na técnica e
na ciência que preenchessem a sensação de vazio do ser humano e a perda do
sentido de comunidade conduzem o homem a busca de um lugar para realizar uma
experiência que preencha a sua existência. Ele deseja sentir-se consolado e não
consegue fabricar essa experiência para si e percebe que os bens exteriores não
podem produzir tal sentimento. Esse anseio do coração do homem faz reemergir o
desejo de uma experiência com o sagrado e uma religiosidade mais plural
(FERREIRA, 2011b, p.31).
É neste contexto contemporâneo de
secularização e da vulnerabilidade dos vínculos de relação entre as pessoas que
há um despertar pelo contemplativo e pelo desejo de se relacionar com o outro.
Deste fenômeno da secularização, surgiu um fruto que foi a purificação da fé
que permitiu que o ser humano abrisse um espaço para buscar uma experiência com
a pessoa de Jesus Cristo. O sagrado reemerge com aspectos novos e é marcado
pela recuperação da relação com o Mistério e com experiências religiosas emocionalmente
envolventes. Neste contexto, os dogmas ou as condutas morais somente
encontrarão sentido a partir desta experiência concreta de Amor em um
relacionamento com Deus (FERREIRA, 2012a, p. 84). Neste sentido, o comunitário
também se soergue a fim de que as relações sejam baseadas em sentimentos
recíprocos de solidariedade. Isso fortalece os relacionamentos e permitem com
que as pessoas sintam que pertencem umas as outras tendo em vista que são do
mesmo tipo. Há também desejo de um conhecimento íntimo e de participação na
vida uns dos outros permitindo com que as pessoas descubram o valor do
relacionamento em si mesmo (SOUSA, p.15-16).
É interessante ressaltar esta busca
constante por qualquer espiritualidade, mesmo que desordenada, pois esta traduz
a necessidade do ser humano de vivenciar uma experiência transcendente. O
sentido da própria existência, a reconstrução do homem fragmentado e a ruptura
com o individualismo são frutos de um relacionamento com Deus autêntico. Para
destacar esta experiência religiosa autêntica, é preciso salientar que esta
busca um sentido e não apenas satisfações espirituais como é característica da
“religiosidade de consumo” (SOUSA, p.255).
Nesta relação, a pessoa vivencia
sensações que a permitem realizar um ato de fé verdadeiro: o homem e mulher
aderem pessoalmente a Deus e não mais como algo que é imposto. Tal abertura
suscita uma renúncia pessoal e uma abnegação que faz com que a pessoa se
disponha a entregar a sua vida a Deus e canalizar a sua potencialidade humana
em favor de sua fé.
É neste contexto secularizado que o
Espírito Santo suscita os NME e as NC como uma resposta. Atento às necessidades
da Igreja e do mundo, o Espírito inspirou o Concílio Vaticano II no coração de
São João XXIII. Este acontecimento eclesial marcou o século XX e a adaptação da
Igreja aos novos tempos a fim de que o Evangelho continuasse a ser anunciado
através de novos meios. Apesar do fenômeno dos NME terem suas raízes anteriores
ao Concílio, os textos conciliares favoreceram o crescimento destas novas
experiências e abriram novas portas. As grandes contribuições do Concílio para
o fortalecimento e o surgimento dos NME e das NC foram o reconhecimento “da
importância do lugar e da missão dos leigos tanto da sociedade como na Igreja”
(FERREIRA, 2011b, p.44); a sua eclesiologia de comunhão e a doutrina dos
carismas.
O reconhecimento da igualdade de
todos os fiéis valorizou a vocação laical. Todos os batizados são, portanto,
chamados à santidade e “iguais na dignidade e no agir quanto à cooperação na
edificação do Corpo de Cristo e no cumprimento da missão que Cristo confiou a
Igreja a se realizar no mundo” (FERREIRA, 2011b, p.49). Percebe-se que as
diversas funções e ministérios são complementares e há um chamado para que cada
um seja dócil à ação do Espírito para realizar a missão que lhe forem confiadas
por Deus. Motivados pelo Espírito, os fiéis leigos desejam responder aos apelos
de Deus em seus corações a fim de serem para a Igreja e para o mundo o que o
Senhor lhes pedir.
2. A experiência de Deus como fonte de carismas
Inspirados pelo Espírito, muitos
leigos começaram a desejar responder a sua vocação como batizados em realidades
associativas. São células de vida comunitária que concedem identidade aqueles
que se lhe aderem a estas de forma a resistirem à massificação da sociedade.
Tais agregações laicais começam, pois, a surgir inspiradas pelo Espírito para
que diversos homens e mulheres respondam juntos ao chamado batismal à
santidade, meta da vida cristã, em um mundo secularizado.
Homens e mulheres, sendo a grande
maioria formada por leigos, experimentaram de um encontro extraordinário e
misterioso com Cristo que os impulsionaram a desejar ardentemente doarem as
suas vidas a Deus, pela Igreja e pela humanidade. Aqueles que iniciaram tais
movimentos laicais são reconhecidos pela Igreja como fundadores, pois receberam
um chamado preciso do Espírito para iniciar uma nova forma de vida comunitária
e consagrada na Igreja. Estes foram inspirados pelo Espírito a um modo
particular de viver o Evangelho e de seguir a Jesus Cristo em conformidade com
os tempos atuais e com uma missão específica no contexto eclesial.
Tais inspirações movem os fundadores
mesmo contra suas tendências naturais a fim de que se iniciem novas obras com
finalidades espirituais e apostólicas próprias. E com o tempo, outras pessoas
vivenciam uma experiência espiritual e se sentem chamadas a se unir no
seguimento de Jesus Cristo junto com tais fundadores segundo um carisma
original. É este carisma que agrega e é o fundamento da vida comunitária, pois
confere identidade a cada um dos membros, bem como infere a missão desta nova
obra (FERREIRA, 2012b, p.49). É uma história que se repete ao longo da
história:
alguém (ou um grupo de pessoas) faz uma
experiência carismática na Igreja, decisiva para a própria vida, e que depois,
de maneira misteriosa, estende-se a outros. A partir deste primeiro encontro
nasce um caminho de santidade e aprofundamento na fé para si e para tantas
outras pessoas que depois venham a ter contato e desejem acolher aquela experiência
na própria vida (NETO, p.172).
Assim, estes NME e NC desejam ser
Igreja assumindo a própria missão em comunhão e ao mesmo tempo são chamadas a
exercer uma influência sobre diversos ambientes da sociedade (política,
economia, arte, cultura, social, comunicação, dentre outros). Estes movimentos
reúnem, pois, diversas pessoas sob um mesmo Carisma para viverem um serviço
eclesial público que edifica a vida da Igreja e transborda em testemunho e
evangelização na vida em sociedade (FERREIRA, 2011b, p 53).
Estas novas agregações somente
encontram a plenitude no serviço a Cristo em comunhão com a Igreja a fim de
auxiliá-la a responder aos desafios contemporâneos (NETO, p.181). O surgimento
destas inúmeras formas de vivência comunitária no âmbito eclesial não é apenas
uma consequência da necessidade sociológica de se formar comunidades, mas um
derramamento do Espírito que inspira um grupo de pessoas a se reunirem sob um
carisma próprio.
É certo que o Espírito age com o
intuito de conduzir as pessoas a conhecer a Jesus Cristo e para tanto inspira
novos carismas ao longo da história. Por esta ação, em situações de crise, a
Providência suscitou inúmeros carismas para que o rosto de Cristo continuasse a
ser anunciado conforme cada período da humanidade. Neste sentido, desde o
Concílio Vaticano II, emitiram-se muitos documentos e notas da Igreja Universal
e de Conferências Episcopais locais reconhecendo o contributo efetivo dos NME e
das NC na edificação da Igreja e como resposta aos novos desafios. Conforme Ferreira,
“os NME e as NC tem uma origem carismática que, ao mesmo tempo, coloca-se a
serviço da edificação da Igreja de modo insubstituível” (2011b, p.71).
Portanto, essa nova era de agregação dos fiéis leigos é um sinal da
manifestação da riqueza dos meios que o Espírito suscita para que se realize a
missão da Igreja de Cristo na história.
Com o intuito de abordar apenas as
NC, iremos apenas apontar as características principais das mesmas a fim de
conhecimento daqueles que se põem a ler este trabalho: apresentam a
especificidade de um carisma original; é formada por homens e mulheres;
aglutinam diferentes estados de vida (solteiros, casados, sacerdotes,
celibatários); possuem vida fraterna e espiritualidade comum; compartilham da
espiritualidade da Renovação Carismática Católica (RCC); são dotados de forte
dinamismo missionário; preocupam-se com a formação dos membros em vista das
exigências da consagração.
O principal objetivo é observar que
nestas novas agregações os fiéis encontram um caminho para realizar uma
experiência com Deus e ali podem crescer e se comprometerem efetivamente
aderindo à fé e engajando-se apostolicamente.
3. Os carismas como experiência de Deus
A principal característica que
envolverá a experiência espiritual dos NME e das NC é o fato de se originarem
de um carisma e todos os membros são chamados a vivê-lo. As pessoas vivenciam
uma experiência forte e intima com o amor gratuito de Deus pela qual se sentem
impulsionadas a responder com toda a sua vida consagrando-a ao Pai. Ao
deixar-se amar, brota do coração do homem um desejo de abandonar tudo e seguir
a Jesus Cristo identificando-se com Ele a ponto de querer assumir os Seus
sentimentos e a Sua própria vida. É ação do Espírito formar e plasmar o
espírito do carisma naqueles que são chamados a fim de que imitem a Cristo
casto, pobre, obediente e, sobretudo, a sua oferta na Cruz. É, pois, um chamado
a “conversão plena, renunciando a si próprio para viverem totalmente no Senhor,
a fim de que Deus seja tudo em todos” (VC, 35).
É belo contemplar que o que mantém a
unidade e a coerência de vida em um movimento não são as estruturas
institucionais nem estatutos ou projetos formativos, mas o ideal do carisma.
Uma das principais características dos carismas é manter vivo o anseio dos
membros em vivenciar um relacionamento com Cristo e a buscar uma configuração
com Ele. Quando o fundador e os membros de um movimento permitem ser envolvidos
por esta experiência carismática, o Espírito apresenta por meio deles uma
especial compreensão do mistério de Cristo e da Igreja. É, pois, o carisma que
sustenta o movimento em torno de um ideal que se encarnou primeiro em uma
figura carismática e que deve ser continuamente proposto à humanidade.
Portanto, o elemento carismático vitaliza e coloca os membros em caminho para
que se adaptem continuamente as mudanças e não cesse de construir o Reino
(FERREIRA, 2011b, p.60).
A experiência da filiação espiritual
ao fundador é um traço importante para que o carisma se revele em sua
plenitude. Esta é necessária para que o carisma originário do movimento
vivenciado pelo fundador envolva a experiência espiritual de todos aqueles que
se sentirem chamados àquela vocação específica (Discurso do Papa João Paulo II
aos participantes do Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais, 1998).
Portanto, a experiência com Cristo,
fundamental nos NME e nas NC, será marcada pela originalidade do carisma.
Aqueles que são chamados a uma vocação específica são impelidos pelo próprio
carisma a viver a experiência cristã com renovado ardor. A Carta Iuvenescit
Ecclesia promulgada pela Congregação para a Doutrina da Fé em junho de 2016
afirma que os movimentos são distinguidos
dentro do panorama eclesial enquanto
realidades fortemente dinâmicas, capazes de suscitar particular atração pelo
Evangelho e de sugerir uma proposta de vida cristã tendencialmente global que
abarca todos os aspectos da existência humana (nº 2).
Os carismas são uma forma pela qual o
Espírito age para impulsionar o homem ao empenho de se assemelhar com o Filho
através de uma intimidade e comunhão. Nos NME e nas NC, os carismas não podem
ser reduzidos apenas a um fato pessoal, mas devem ser elevados para que se
compreenda a intima unidade que estes produzem entre fé e vida.
4. Os carismas como lugar de uma experiência com Deus
Este novo tempo agregativo dos leigos
marcará a história à medida que estes viverem com autenticidade os seus
carismas específicos. Eles conduzem os fiéis a uma experiência humana e cristã
enriquecedora ao unir pessoas com identidade e aspirações convergentes. O chamado
à santidade é uma urgência advinda do batismo que impulsiona aqueles que
fizeram uma experiência com Cristo através de um carisma para seguirem a Ele
radicalmente. A meta da santidade começa a ser encarnada na vida do fiel
cristão leigo.
Os carismas dos NME e das NC são,
portanto, um dos caminhos inspirados pelo Espírito para que os fiéis leigos
vivam o batismo em um mundo secularizado. Sendo o carisma um dom do Espírito e
não uma inspiração meramente humana, este é revelado gradualmente por Deus por
intermédio do fundador. É preciso sempre revisitar a experiência espiritual do
fundador para descobrir o que o carisma já é nos planos de Deus e por quais
caminhos deve-se caminhar para a sua realização plena (SOUSA, p.42-43).
A fidelidade ao carisma permite com
que os membros o revivam e o atualizem gradualmente na vida da Igreja e do
mundo. É necessário aprofundar-se nas regras e nos escritos do fundador para
refazer a sua experiência espiritual e colocar em prática este modo de vida
(NETO, p.101-102). Ao aprofundar-se nesta vida, o membro testemunha o seu
encontro com Cristo, pois a medida que sua vida é transformada por um modo de
seguimento esta se torna capaz de gerar esperança no coração da humanidade.
Portanto, o NME e as NC devem se tornar escolas a fim de acompanhar todos os
homens e mulheres que desejarem realizar a uma experiência pessoal com Deus.
Assim sendo, ao suscitar estes novos
movimentos leigos, evidencia-se a sede dos fiéis de vivenciar uma experiência
com Cristo de forma a corresponder a este amor por um caminho autêntico. O Papa
João Paulo II afirmou no memorável encontro na Praça de São Pedro com os Novos
Movimentos Eclesiais no Pentecostes de 1998 que “os verdadeiros carismas não
podem senão tender para o encontro com Cristo”.
A partir de tal experiência
espiritual, as novas formas de vida consagrada são também chamadas a responder
com generosidade a moção do Espírito e a produzir frutos de maturidade eclesial
em um contínuo crescimento na comunhão com os bispos. Como movimentos laicais,
devem se envolver com a nova evangelização e com a promoção humana de modo a
comunicar o Evangelho a cultura contemporânea. Esta vivência também é preciso
ser compreendida como um encontro com Deus para que os membros de tais
movimentos se capacitem em ouvir o clamor da humanidade que anseia por Deus.
Ao serem alimentados por um carisma
específico, percorrem um itinerário para o encontro com Deus e como resposta
solidificam a sua vocação batismal e vivenciam uma responsabilidade com o
anúncio do Reino. Ao terem as suas vidas transformadas através de um encontro
pessoal com Deus que os chamou a um carisma específico, crescem em consciência
que fazem parte do Corpo Místico de Cristo e que são também construtores da
história. E somente poderão responder às necessidades da Igreja e do mundo se
forem fiéis abraçando a novidade, a profecia, o sinal de contradição que são chamados
a ser em seus carismas.
Os NME e as NC são, portanto, gerados
por Deus pela ação do Espírito Santo, mas também uma resposta generosa dos fiéis
que acolhem o dom divino. Eles não permanecem fechados a uma realidade
intimista e interior, mas antes são impelidos pela força do carisma a saírem de
si para ir ao mundo. E estes carismas conduzirão os fiéis a um “renovado
compromisso de unir cotidianamente a vida de fé e a vida prática e o aberto
testemunho cristão em todos os ambientes” (NETO, p.163). Ao cumprir este
propósito, os carismas se realizarão plenamente como ação do Espírito Santo em
respostas as necessidades da Igreja e do mundo.
CAPÍTULO II – O RELACIONAMENTO COM DEUS COMO CENTRO DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ
É belo
contemplar como Deus atrai o homem a si mesmo para se relacionar com Ele. Ao
contemplar a ação do Espírito durante a história da Igreja e da humanidade,
percebe-se o anseio do coração de Deus em criar um relacionamento com cada ser
humano. Não obstante, está também inscrito no coração do homem um desejo por
Deus, muitas vezes desconhecido, que o faz almejar pela presença divina. Há um
anseio profundo de Deus pela amizade do homem e o apelo para respondê-lo se
esconde na essência dos mais íntimos desejos do coração humano. Portanto,
criado por amor e para o amor, o ser humano somente encontrará sua realização
em Deus “que nada mais é do que Amor” (BENNER, 2006, p. 24).
Sob esta perspectiva, oferece-se uma
visão primordial do relacionamento que o homem é chamado a viver com Deus.
Neste sentido, abordar-se-á neste capítulo o encontro com Deus que o ser humano
é chamado a viver. É neste momento que se abre para o homem a
possibilidade de descobrir a essência daquilo que é a sua realização mais
profunda: a comunhão íntima com o Criador que o ama intensamente. Nesta
relação, os carismas são inspirados pelo Espírito para que o homem descubra o
seu caminho pessoal para viver este encontro de amor.
1. Deus deseja se relacionar com o homem
Ao criar o
homem, o Criador o constituiu como um ser relacional, pois ansiava em
estabelecer com a sua criatura uma relação pessoal. No entanto, o ser humano rejeitou o
amor de Deus em favor de uma pretensa liberdade. Ao realizar esta escolha,
renunciou a um relacionamento verdadeiramente livre e intimo para viver a
servidão e a alienação próprias do pecado. Este afastamento gerou no coração do
homem um profundo desconhecimento do Amor de Deus, além de ferir a parte mais
profunda de sua identidade humana. Surge uma experiência de vazio diante da
qual o homem se sente desencorajado a buscar outro relacionamento mais profundo
(BENNER, 2006, p.24-25). O
desconhecimento de Deus se manifesta com uma profunda crise de sentido que
impulsiona o homem a uma ânsia em preencher o vazio que o invade.
A grande
luta que marca o itinerário espiritual do ser humano é se libertar do medo para
se entregar ao amor. A vida cristã para ser autêntica precisa nascer desta
experiência direta e pessoal com Deus a fim de que O conheça. Não é possível
conhecer a Deus somente proclamando as verdades de nosso símbolo de fé sem
fazer uma experiência com cada uma das verdades professadas. Certamente, a
maioria das pessoas que professam a fé cristã a fazem pelo conhecimento
transmitido pelas gerações mais do que por uma experiência pessoal com o
próprio Deus. Não há que se desconsiderar o valor da tradição repassada nem o
conhecimento adquirido pelos livros ou através de outras pessoas. Estes são
meios pelos quais é possível vivenciar uma experiência com Deus e exercem uma
função pedagógica de grande importância. Por exemplo, meditar a Palavra de Deus
não deve ser somente para aprender intelectualmente, mas, sobretudo, para
deixar ser penetrado pelo mistério do amor que Ele tem por nós. Santa Teresa de
Jesus, mestra de oração, afirma que “a substância da oração não está em pensar
muito, mas em muito amar” (4M 1, 7). Por isso, se o conhecimento permanecer
somente enquanto teoria e não transbordar para uma vivência existencial, o
cristão se impregnará apenas de conceitos religiosos e não realizará uma experiência
com o próprio Deus.
Nesse
sentido, se a espiritualidade reduzir-se a crenças, proibições, obrigações e
sentimentalismos se reduzirá a missão de Cristo que se encarnou para nos
reconduzir de novo ao Pai. Portanto, para uma vida cristã autêntica, o fiel
ordenará a sua espiritualidade ao amor que Deus nutre pelo ser humano. É
preciso se concentrar neste amor, pois um relacionamento com Ele somente nasce
de um coração que se orienta e se abre a Sua presença amorosa.
Por isso, é
necessário estar atento para as ações divinas na existência humana, bem como
nas experiências vividas. Pela liberdade, o homem se atém ou não as
comunicações divinas. Sobretudo, importa permitir que Ele desperte os desejos
do coração por “algo a mais” (BARRY, 1995, p.14).
Estabelecer uma relação pessoal com
Deus não é um processo automático. Primeiramente pelo fato do ser
humano não conhecer a Deus verdadeiramente e se relacionar com Ele conforme as
imagens criadas ao longo de sua história. Dizem o que ouviram falar ou sobre o
que elaboraram a partir da própria existência, mas são poucos aqueles que
testemunham o que viveram pessoalmente em um relacionamento pessoal com Ele. A consequência
das falsas imagens criadas em relação a Deus propicia que se criem também
falsas imagens acerca do homem. Assim, se o fiel cristão permanecer distante de
Deus e não ousar se aproximar não se conhecerá verdadeiramente através do amor
(BENNER, 2006, p.15).
Ao perceber
que Deus inicia este relacionamento e que o deseja, o fiel cristão é chamado a
descobrir sua resposta autêntica e pessoal a esta revelação divina. A presença
do amor na vida da pessoa o faz desejar cada vez mais esta união (HOUDEK, p. 98-99).
Para se viver esta relação, a pessoa necessita por primeiro criar a consciência
do seu próprio desejo da presença de Deus, o interesse e a atração que o
coração sente. Este movimento permite perceber a presença divina em cada
acontecimento do dia-a-dia, pois “toda experiência humana tem a possibilidade
de ser um encontro com Deus” (BENNER, 2014, p.145). Deus se revela não somente
em momentos de oração propriamente ditos, mas em todos os momentos da vida
diária.
Diversas
são as iniciativas divinas para se revelar, comunicar e compartilhar do Seu
amor até o momento em que encontra uma abertura e obtêm uma resposta de amor. Ao
tomar consciência da atividade e das iniciativas divinas ao encontro do homem,
este deve buscar os meios apropriados para responder. É um dom do próprio Deus
que ajuda a pessoa a se abrir a um relacionamento consciente com Ele e a estar atento
aos vários modos que Ele se faz presente e ativo em sua vida. Frank Houdek
chama este dom de oração e a define como “a percepção da presença e da ação
divinas constantes e amorosas” (p.99).
Neste
processo de dedicar um tempo diretamente com Deus e conscientizar-se de Sua
presença constante e fiel ao longo da própria história, o homem começa a
conhecê-Lo. Se Deus
abre-se ao ser humano, este deve estar preparado para se abrir a Ele. Há um
desejo divino em conhecer os sentimentos do coração humano perante os diversos
acontecimentos da vida. Esta fase do relacionamento com Deus se torna um dos
momentos mais doloridos, pois o homem deve se confrontar consigo mesmo. Há
certa relutância humana em admitir certos sentimentos e atitudes e estes se
tornam obstáculos para ver o Rosto divino e a si próprio.
Ao
encontrar tais resistências, a pessoa reconhece dentro de si que ainda há
certas imagens de Deus que O aprisionam, bem como imagens de si próprio.
Portanto, ao se focar somente no pecado, o homem corre o risco de se fechar em
relação a Deus como se o amor divino dependesse exclusivamente de forças
humanas (BENNER, 2006, p.18-19). Não é preciso que o ser humano se esforce para que Deus o
ame. Basta somente abrir os próprios olhos para reconhecer-se envolvido em uma
plenitude de amor que espera ansiosamente por uma resposta.
Experiências
passadas, ensinamentos recebidos sobre Deus, a excessiva desconfiança em se
aproximar de Sua presença, os sentimentos de raiva e indiferença gerados em
relação a Ele. Tais realidades são alguns dos exemplos que impedem as pessoas
de criarem um relacionamento de intimidade com o Senhor, pois bloqueiam a
capacidade humana de receber a plenitude da vida divina. Nesse sentido, ao se
envolver em tamanha ternura, Deus quer curá-lo de todos estes bloqueios para
que se tornem mais abertos a Ele e a vida que Ele oferece. Portanto, o
fundamento da oração e do encontro com Deus não são resultados, mas o Seu amor
pelo homem e o despertar de uma resposta amorosa a Ele (BARRY, 1995, p.76).
Frei
Patrício Sciadini afirma que “Santa Teresa definiu a oração como a arte de
amar” (p.30), pois nesta atitude de vida o homem tem a experiência de sentir-se
amado e contempla Aquele que o ama. É na comunhão com a fonte da sua própria
existência que o homem descobre-se criado no amor, por amor e com amor.
Os métodos são apenas meios que
ajudam a encontrar a Deus, mas quando Ele é encontrado é a própria relação que
passará a dirigir. O entendimento dá lugar ao silêncio, a atenção, a
intimidade, ao envolvimento, ao afeto. Frank Houdek afirma que
cada pessoa precisa
criar uma forma autêntica e apropriada de responder ao Deus vivo, isto é, uma
forma de expressar sua singularidade a uma manifestação muito específica,
particular e única do Amor e da presença de Deus. Quanto mais autêntica e
apropriada for a resposta a revelação divina, melhor e mais desenvolvida será a
oração (p.98-99).
A comunhão do
homem com Deus conduz a uma comunhão com a humanidade e desperta dentro de si
um desejo de transformar o mundo em uma nova civilização. A pessoa começa a
descobrir os caminhos pelos quais o Senhor a chama para aderir e responde ao
que Ele lhe pede. Ele espera cada pessoa humana intensamente e muitas vezes não
é encontrado porque os homens ocupam com outros afazeres e não Lhe dedicam
tempo e interesse. O
cristão deve encarar a sua vida como um relacionamento pessoal com Deus que
exige mútua comunicação. Portanto, ao entrar nesta relação sentirá a
necessidade de comunicar-se com Deus e com a humanidade e de comunicar sua
própria oração como resposta ao mundo.
2. O desejo do homem em responder ao amor de Deus
Ao
contemplar o homem que funda a sua vivência cristã na sua experiência pessoal
com Deus, percebe-se que se cria uma relação consciente na qual a pessoa
permite-se amar e deseja responder com amor. Ao se abrir ao amor divino, o ser
humano é convidado a correspondê-lo e esta resposta sempre levará a pessoa a
lugares nunca antes imaginados. O seu relacionamento com Deus será marcado por uma
vocação nascida do amor recebido e do desejo em responder.
À medida
que a pessoa discerne um chamado a uma vocação específica, a sua resposta o
conduzirá a uma entrega que o tornará mais livre. Há uma profunda sensação de
ser totalmente amado e se produz um anseio de amar na mesma medida. Há uma
necessidade do seu coração de se entregar a algo além de si mesmo e cada pessoa
experimentará de modo diferente esse desejo de se dar (BENNER, 2006, p.33). A
partir do amor único que Deus tem por cada pessoa, esta é capaz de responder
com autenticidade e também de forma única.
É preciso,
pois, que a pessoa estreite o seu relacionamento com o Senhor a fim de que
quanto mais sentir-se amada, mais deseje amar com sua verdade. Em muitas
circunstâncias, a pessoa interrompe esta relação, pois ainda sente certa
relutância em se revelar a Deus, principalmente as suas limitações e fraquezas.
Tal relação irá se deteriorar se a pessoa esconder consciente ou inconsciente
os seus sentimentos, pensamentos e atitudes. Se começar a procurar os próprios
gostos e consolações, correrá também o risco de se afastar do que
verdadeiramente o plenifica. O enfoque na culpa também inibe o crescimento da
experiência pessoal com Deus (BARRY, 1995, p.32-33).
Muitas
vezes, a pessoa vocacionada substitui o amor de Deus por outros motivos no que
diz respeito ao sustento do chamado. Ela cresce no conhecimento intelectual em
relação a Deus e diminui o fervor de sua oração e do seu encontro pessoal com
Ele. É preciso aprender a se entregar a vontade divina e a preferi-la ao
contrário da própria vontade. Somente quando a pessoa reconhecer que o
fundamento de seu chamado é a sua experiência com Deus que ela responderá a Sua
vontade com alegria e não como obrigação (BENNER, 2006, p. 71-72).
A maioria
dos desafios enfrentados por aqueles que fazem a experiência do chamado nascem
do conhecimento do amor de Deus. Ao se deparar diante de uma vocação, o homem
teme perder a própria identidade por medo do que Ele possa pedir. Todos aqueles
que escutam um chamado particular sentem, por vezes, medo da intimidade, de
perder o controle, da opinião pública, de perder um sentimento reconfortante,
se ser abandonado, da dor, de não ser amado, da própria capacidade de amar,
dentre outros. Ao reconhecer os próprios temores, o homem se torna mais honesto
e humilde e ele encontrará a Deus justamente nestes lugares onde se sente mais
vulnerável. É ali que o homem experimenta da sua fragilidade, mas também
experimentará do amor infinito de Deus se tiver a coragem de se arriscar. Esta
entrega é um ato de profunda confiança a vontade do PAI, pois nela a pessoa se
dispõe a recebê-Lo e a permitir que Ele viva dentro de si. O amor divino
libertará o homem de todos os sentimentos de culpa e ele será livre para amar
como é amado (BENNER,
2006, p. 50).
Diante do chamado,
o homem tem a liberdade de se lançar ou não ao amor divino para ser liberto das
tensões e medos que o aprisionam. Este é o principal desafio da vida
espiritual: deixar-se conquistar por Deus e diminuir-se diante d’Ele a fim de
se entregar ao amor e amar se entregando. Através dessa atitude, assumem a
vocação particular tendo a experiência pessoal com o Senhor como o fundamento
da mesma. Todo o seu agir
seja sempre uma resposta a Deus. Assim, toda a sua existência, os sentimentos,
pensamentos e atitudes se conformará gradativamente a imagem de Cristo Jesus
(HOUDEK, p.100).
3. A configuração com Cristo como fruto da oração
Nesse
sentido, a espiritualidade cristã se resume em seguir a Cristo pobre, casto,
obediente e imitar a sua oferta na cruz. Para tanto, seguir este exemplo exige
disposição para se entregar e a pessoa somente se assemelhará a medida que
assimilar em si a vida de Jesus através da oração. Sendo também o objetivo da
vida consagrada imitar o Filho, aqueles que se sentem chamados a esta vida se
esforcem para viver cotidianamente o seu encontro com Deus. A vida espiritual
conduzirá a um processo de morte e ressurreição na vida daquele se põe a seguir
a ponto deste viver uma transformação do seu modo de agir. É diante d’Ele que
experimentará da morte do homem velho e o despertar do homem novo (BENNER,
2006, p.78).
Tal
conformidade não é uma condição para viver tal relação, mas se torna uma exigência
do amor que faz com que o amado queira ser como o amante. Esta conformação é
gradativa e necessita de oração para que o homem contemple a vida do Cristo no
Evangelho e permita ser moldado pela ação do Espírito. Tornar-se outro Cristo
não é um ato da força de vontade, mas dom de Deus derramado sobre a vida do
homem (BARRY, 1995, p. 75).
Todos os
consagrados, para viverem a vocação com autenticidade, se entreguem de todo
coração para conformarem suas vidas a vida de Jesus. Aquele que é chamado a uma
vocação sente a necessidade de viver de Deus para que outros percebam a
presença divina no próprio agir sem ser necessário falar. Para se discernir a
oração, precisa-se ver o amor crescendo como testemunho da própria vida, pois a
qualidade da relação com Deus é revelada na forma de agir daqueles vivem esta
experiência. A experiência autêntica do amor não somente aquece o coração
humano, mas o afeta profundamente de forma que a vida do homem já não pode ser
a mesma.
O membro de
uma instituição religiosa muitas vezes é ciente da necessidade de sua mudança
pessoal, mas se desanima ao se deparar com a diferença entre sua realidade interior
e a vida a qual é chamado por Deus. Assim, a pessoa jamais é transformada, pois
não se dispõe em abrir mão dos próprios sonhos de realização para abraçar
aqueles que o próprio Deus sonhou para ela. Para não desistir perante o ideal
da vivência evangélica, o consagrado baseie a sua conversão não em seus esforços
e na própria determinação.
A pessoa ao
conhecer a verdade do próprio coração se entregue ao amor mostrando toda a sua
pobreza e pequenez. Portanto, é preciso correr dois riscos: ousar aceitar a si
próprio e se lançar no amor ao se sentir vulnerável. A essência da conversão é
a aceitação do amor de Deus e esta atitude deve se tornar um modo de vida do
cristão (BENNER, 2006, p. 83-84).
O
consagrado aprenderá a trazer cada dia um pouco de si para a presença de Deus
permanecendo diante d’Ele o tempo necessário para ser curado em suas feridas.
Ao se abrir ao amor divino, ele se dispõe para ofertar a própria vida pela
Igreja e pela humanidade. De certa forma, toda a vida humana, suas dores e
aflições, suas alegrias e esperanças afetarão a vida do homem consagrado e lhe
dirá algo a respeito. À medida que o desejo de orar provém do anseio em servir
e não em satisfazer a si próprio, as tendências egoístas do consagrado serão
crucificadas através do amor de Deus que será impresso em seu coração. Ir até o
outro com a mesma exigência que se vai até Deus revela como a pessoa se permite
ser impulsionada pelo amor recebido na oração. Assim, uma comunidade de
consagrados orantes é uma comunidade de pessoas comprometidas no amor, pois ali
o trato que se tem com Deus qualifica o trato com os irmãos (SCIADINI, p.53).
Ao seguir
com tamanha confiança, o consagrado vive como um amigo íntimo de Deus e oferta
a Ele mais do que um comportamento exemplar, mas o próprio coração e a própria
vontade. Consciente da presença de Deus, em tudo vê o amor divino por si
próprio e permite ser guiado pelos movimentos do Espírito em sua alma
(SCIADINI, p. 76-77).
Por fim, que o consagrado se
relacione pessoalmente com Deus e permita se conhecer para que Ele se revele em
plenitude. Assim, aquele que se consagra entregue totalmente a sua vida nas
mãos do amor com confiança e exclame: Abba.
Na oração, que o consagrado viva um relacionamento pessoal com o Pai e ouse em
respondê-Lo com amor. Nada mais dará sentido a sua vida do que viver este
encontro.
CAPÍTULO III – ACOMPANHAR A ORAÇÃO PARA SE FORTALECER O CARISMA
A força do
sagrado emergiu nas últimas décadas, ao contrário de algumas previsões que
apostavam em um mundo sem religiões. Diante deste contexto, o Espírito suscita
a Igreja a se adequar as novas realidades da sociedade a fim de continuar a sua
missão de anunciar a Jesus Cristo à humanidade. Surgem, portanto, novos carismas que se
institucionalizam através dos chamados Novos Movimentos Eclesiais (NME) e Novas
Comunidades (NC).
Alguns
destes movimentos, no caso as NC, vivem a espiritualidade da Renovação
Carismática Católica a qual propõe uma abertura maior a ação do Espírito. O
fundamento da vida cristã nesta Corrente de graça é a experiência direta com a
pessoa do Filho e não o conhecimento doutrinal ou a prática moral (FERREIRA,
2012a, p.35).
Grande
parte das NC surgiu a partir de grupos de oração cujo objetivo principal era
levar as pessoas a viverem esta efusão no Espírito. Estas realidades envolvem a
pessoa em sua totalidade através de uma vida de fraternidade, de oração, de
partilha dos bens e com a vivência dos compromissos evangélicos. Portanto, “é
prioridade iniludível o aprofundamento da experiência de fé, a experiência do
encontro e do seguimento de Cristo, de modo a propor com força a vocação
universal à santidade” (FERREIRA, 2011b, p.85).
Em uma
relação autêntica com Deus, os membros das NC são arrancados do intimismo e
impelidos para seguir a Jesus para dar uma resposta às necessidades da
humanidade. A vida espiritual nestas instituições ocorre principalmente através
da vivência dos sacramentos e da oração e meditação das Sagradas Escrituras. É
necessário que as NC conduzam os seus membros através de uma formação que tenha
como pedagogia o encontro pessoal com Deus e a escuta de Sua voz.
1. O relacionamento com Deus como base para o Projeto Formativo
Para que a
formação das NC contribua verdadeiramente para o crescimento dos seus membros,
há de ser constante que os convide a um encontro pessoal com Deus. Neste
caminho, os conhecimentos adquiridos nas diversas áreas de formação não
permanecerão no nível do intelecto, pois este caminho formativo com base na
experiência pessoal permitirá ao membro aderir com o coração à vida de Cristo.
Nesse sentido, é necessário que a vida de oração motivada pelas NC contribua
para uma troca de olhares em que a pessoa se apaixone pelo Cristo e permita ser
penetrado pelo Seu olhar. Há de se cuidar para impulsionar cada membro a viver
uma experiência autêntica cujas consequências o transformarão inteiramente em
sua mentalidade e na sua forma de vida (FERREIRA, 2012b, p.26).
Ao adotar
este caminho, as NC compreendem o ser humano como capaz de se abrir ao divino e
sentir-se amado por Deus e amá-Lo. Neste acolhimento da unicidade absoluta do Senhor,
o consagrado recusa a controlar a própria vida para viver a liberdade de ser
tocado e conduzido por Ele. A pessoa descobre sua liberdade mais autêntica e
efetiva ao experimentar de um amor livre e libertador que não se impõe ou põe
condições nem obriga o outro a retribuir com amor. Esta lógica do amor divino
constrange o ser humano e ao conhecê-lo deseja entregar sua liberdade nas mãos
de Deus (CENCINI, p.155-160).
O Paráclito
opera a conversão do coração humano e transforma a sua visão de mundo e sua
capacidade de julgar as circunstâncias do dia-a-dia na perspectiva da fé
cristã. Assim, para alcançar o objetivo de qualquer projeto formativo que é
conduzir o membro a se conformar a vida de Jesus é preciso colocar no centro a
relação pessoal da pessoa com Deus. A fé se professará na vida cotidiana, pois
ele viverá todas as suas atividades e a sua relação com o mundo orientado para
a maior glória de Deus.
As NC se
cuidem para não conduzirem os seus membros a um relacionamento intimista e
inócuo no qual estes se tornam indiferentes às necessidades do mundo. Manter
essa convicção garante a fidelidade ao carisma originário inspirado ao fundador
como uma resposta as necessidades da Igreja e do mundo. Se o projeto formativo
das NC conduzirem os membros para uma relação pessoal com Deus contribuirão
para o amadurecimento de autênticos cristãos conscientes da identidade batismal
e da própria vocação e missão.
Assim, para
ser fiel ao carisma original, é necessário que as NC se empenhem no
acompanhamento dos seus membros a fim de auxiliar no discernimento espiritual
para que sejam conduzidos pelas moções do Espírito de Deus.
2. A capacidade de discernir como fonte de liberdade
Se os
projetos formativos adotarem como pedagogia o encontro do homem com Deus, há de
ser levado em conta o caráter dialógico desta relação. Com liberdade e
docilidade, é imprescindível se por a escuta do Espírito para adentrar no
mistério divino que lhe concederá sentido e realização de vida. Para tanto, os
membros das NC precisam crescer no exercício do discernimento espiritual para
julgar as moções que os inspiram a realizar a vontade divina no cotidiano. Este
é um “processo pessoal pelo qual o indivíduo vem a entender, interpretar e
atuar sobre os movimentos autênticos do Espírito de Deus em sua experiência
pessoal” (HOUDEK, p.110).
Por meio do
discernimento, o membro compreenderá com mais clareza por quais caminhos Deus o
chama a seguir, bem como será capaz de distinguir os estímulos que o movem interiormente
para respondê-Lo. Por meio dele se distingue as moções do Espírito “das ilusões
e seduções do mal, bem como de nossa própria vontade ou de nossos instintos
egoístas” (GONZALEZ-QUEVEDO, p.11).
Muitas
pessoas se encontram perdidas em relação à própria vida desejando que outros
discirnam por eles enquanto há aqueles que vivem com “discernimentos prontos”
fundamentados em projetos pessoais. Diante das diversas circunstâncias, o
consagrado deverá ter claro o conhecimento da situação e de si próprio para
julgar diante de Deus os movimentos que agem dentro de si. Um projeto formativo
que auxilia a pessoa a crescer no relacionamento com Deus proporcionará meios
para que seus membros reconheçam e respondam os apelos divinos que ecoam na
própria interioridade (FERREIRA, 2012b, p.24). Ferreira ainda afirma que
“promover a liberdade humana para que a pessoa responda por si mesma a Deus
deverá ser sempre um imperativo ético para qualquer projeto formativo” (2012b,
p. 65)
Por esta
via cria-se o que Santo Inácio chamava de amor de discernimento: discernir é
uma função da relação pessoal com o Senhor e esta capacidade será mais profunda
e mais sólida quanto mais for a própria relação. Este amor de discernimento conduz a verdadeira
liberdade espiritual (GREEN, p.64-65).
A vontade
divina muitas vezes não é clara e perturba o homem, porque ele se encontra
ainda demasiadamente apegado aos seus pecados e as paixões desordenadas. Isso faz com que muitos membros das
NC não estejam dispostos a dar a Deus o que Ele pede. Desejar a vontade divina
implica permitir ser surpreendido por Ele para ofertar o que for pedido. Portanto, o
amadurecimento do discernimento e da relação pessoal com o Senhor exige um
custo que poucos desejam pagar: “a obscuridade, a responsabilidade pessoal por
nossas escolhas, a necessidade de conhecer a Deus e compreender Seus caminhos
para nós” (GREEN, p.12).
Os projetos
formativos das NC devem propor um acompanhamento no qual seus membros aprendam
como discernir, como serem responsáveis pela própria vida e como crescer no
relacionamento com Deus. Somente o amor garante a revelação do plano divino
para cada um e somente o Espírito confirma no interior do ser humano o
entendimento adequado. Para tanto, o consagrado amplie a percepção da sua
relação pessoal de forma a abranger novas experiências nas quais se formam a
palavra de Deus.
Segundo
André Louf, “Deus deseja ardentemente despertar todos os crentes a esta graça
do discernimento para dar-lhes uma capacidade semelhante de estar concordes ao
do Espírito Santo em seus corações” (p.27). Assim, a arte de discernir
necessita de uma atenção interior aos movimentos do Espírito que impulsionam a
oração e a ação. Neste sentido, se encontra o sentido do compromisso com a
humanidade, pois a pessoa perceberá os movimentos em seu interior ou em sua
ação que a aproximam ou a afastam do outro.
Tendo em
vista que o discernimento implica agir conforme as moções do Espírito, o
consagrado deverá se dispor a renúncia dos planos pessoais para acolher a
vontade divina e suas consequências. Toda atitude de justificação, dureza de
coração, imposição das próprias ideias, recusa do outro, autoritarismo, abuso
de regras para dominar, ambição pela perfeição são opostas ao discernimento.
Para o
crescimento dos carismas originais, o que deve mover o coração dos membros não
são tanto as diretrizes ou práticas morais, mas a experiência concreta de ser
guiado pelo Espírito. A base para o discernimento deverá ser a natureza real
daquilo que move o coração do consagrado para tomar uma decisão e até que ponto
este desejo pode ser assumido de forma concreta (LOUF, p.18).
Se o
consagrado não crescer na arte do discernimento, ele corre o risco de se
enganar e destruir a si mesmo ao invés de seguir pelos caminhos que Deus o
convida. A partir deste amadurecimento, esta pessoa se sensibilizará em relação
a presença divina e amadurecerá no discernimento das ações do Espírito que agem
em seu coração.
3. As contribuições da orientação espiritual para as NC
Diante das
muitas e variadas vozes que a pessoa ouve em seu interior, é necessário
discernir de onde elas procedem, o que realmente significam e por qual se
permite mover. Aprofundar-se na relação com Deus e discernir a Sua voz não é
uma simples tarefa e viver este itinerário sozinho é um grande risco. Portanto,
se faz necessário um companheiro que auxilie pelo caminho certo para que a
pessoa alcance uma intimidade com Deus e reconheça a Sua ação em seu interior.
Santa Teresa dizia que se renovasse toda a realidade exterior de um mosteiro e
se percebesse externamente os desafios de uma pessoa em perseverar, o melhor
por fazer ainda seria proporcionar a assistência de um “mestre de oração” (SCIADINI,
p.67-68).
Ao longo
deste trabalho, um dos pontos discutidos foi a importância do encontro com Deus
em vista da configuração do homem com Cristo, em especial dos membros das NC.
Para acolher os projetos divinos na própria vida, aqueles que desejam consagrar
as suas vidas precisam permitir que seus pensamentos, afetos e decisões sejam
conformados a Cristo. Tendo em vista as diversas moções experimentadas no
coração humano, os diversos projetos formativos propõem um acompanhamento a fim
de auxiliar os membros a responderem a própria vocação.
Neste
contexto, apresentar-se-á uma das propostas de acompanhamento sugerida pelas NC
e logo após os contributos da orientação espiritual para a mesma. Cabe recordar
que o objetivo desta explanação é apresentar as contribuições da orientação
espiritual e não realizar nenhuma análise crítica.
Um dos
caminhos propostos pelas NC para acompanhar os seus membros é o chamado
“formador pessoal”. Este tem sido compreendido como “o instrumento utilizado
por Deus para levar a pessoa a descobrir no Espírito Santo o seu itinerário
espiritual e assim, à luz de Deus, cumprir a vontade divina para a sua vida” (NOGUEIRA;
PERDIGÃO; QUEIRÓS, p.115). Nesse sentido, a sua missão é auxiliar a pessoa a se
conformar a Cristo para realizar em plenitude a identidade batismal, a vocação
e o carisma para o qual foi criado. Os chamados encontros formativos acontecem
mensalmente e o foco é a vida e a pessoa do formando a luz do carisma e do
projeto de Deus para sua vida. São abordados nesses colóquios pontos referentes
a vida espiritual, familiar, afetiva, fraterna, apostólica, dentre outros.
Ao abordar
estas realidades, o formador auxiliará o formando a perceber o que o impede de
responder o projeto divino e o carisma e a reconhecer todas as suas
potencialidades de colaborar com o Senhor para ser liberto das suas paixões
(PERDIGÃO, p. 21). Não tem como objetivo aconselhar nem solucionar problemas,
mas ajudar o formando a crescer em sua relação com Deus a fim de penetrar na
sua própria verdade e no chamado conforme o seu carisma específico. A formação
pessoal, para ser autêntica, contribui para um crescimento responsável do
formando a fim de que ele seja capaz de decisões autônomas.
O grande
fruto da formação pessoal será a conversão da pessoa através de uma libertação
de tudo o que a impede de viver o projeto divino. O papel do formador se
estende em outras NC como aquele que anima a pessoa a responder conscientemente
a sua vocação com fidelidade fecundando o carisma entre os membros.
No que diz
respeito a orientação espiritual, o que esta prática auxiliaria no contexto das
NC? A orientação espiritual é uma forma de acompanhamento no qual se focaliza o
relacionamento da pessoa com Deus, isto é, sua oração. Ao compreender a oração
como uma relação consciente com Deus, então o foco do acompanhamento é o que
acontece com a pessoa quando está consciente da presença divina. Portanto, o
orientando expressa a sua experiência de fé e mistério. Sendo assim, o objetivo
primeiro da orientação espiritual é auxiliar a pessoa se tornar consciente de
um relacionamento com Deus que já existe. Posteriormente, o orientador a
auxiliará a se atentar aos apelos do Senhor e as suas reações pessoais a Ele.
Nesse sentido, a pessoa descobrirá a origem, o caráter, a qualidade, o
movimento e os padrões dos quais surgem as moções em seu interior. Ao crescer
em discernimento descobrirá o que procurar dentro de si próprio (BARRY, 1995,
p.78).
A
orientação espiritual auxiliará a pessoa a estar atenta a comunicação pessoal
de Deus e a respondê-Lo, no crescimento da intimidade com Ele e para aumentar a
coragem para viver as consequências dessa relação. Este tipo de orientação é um
encontro pessoal coloquial no qual o propósito principal é expressar a
experiência com um Deus que existe, se revela e convida o homem a uma relação. Contribui
para uma “tomada de decisão discernida, isto é, os orientandos consistentemente
tomam decisões em união com sua experiência pessoal, específica e única de
Deus, de si mesmos e dos outros” (HOUDEK, p. 154). Ainda segundo Houdek, “a
orientação espiritual torna-se, então, um caminho para ajudar outros a
entender, integrar e se dedicar a uma vida de encontro, empenho e entrega aos
movimentos do Divino” (p.21).
Quando este
modelo de acompanhamento coloca a experiência com Deus em primeiro plano,
evidencia-se o amor divino pela pessoa e ajuda as mesmas a prestarem atenção
aos movimentos do Espírito nas diversas circunstâncias da vida. Estes
movimentos devem impelir em direção a caridade e a compaixão pelo próximo para
que a pessoa conforme-se a Jesus em seu comportamento sem uma obrigação moral,
mas por um apelo divino.
Assim
sendo, ao se expor as características da orientação espiritual verifica-se que
a mesma contribuirá para o amadurecimento das relações de acompanhamento no
âmbito das NC. Nutrir o carisma na relação pessoal com Deus proporciona aos
membros uma obediência à ação do Espírito que os conduzirá a perfeita liberdade
para que se tornem o que são chamados a ser.
CONCLUSÃO
Ao abordar a orientação espiritual
como contribuição para o amadurecimento das NC, desejou-se contribuir,
sobretudo, para a preservação do vigor do carisma original. Através de uma
experiência pessoal com Deus, é que os fundadores apaixonaram-se com Cristo e
decidiram por segui-Lo por onde Ele for. Eles não foram movidos por nenhuma
ideologia nem por uma imposição moral. Não buscavam status nem desejavam
honras. Não conheciam métodos nem se firmavam sobre planejamentos e formas.
Importava para eles responder ao amor com o qual foram amados.
É nesta experiência de sentir-se
amado e desejar responder a este amor que os carismas se fundam. O Papa
Francisco, em seu discurso aos participantes do III Congresso dos Movimentos
Eclesiais e das Novas Comunidades, afirmou que a novidade dos NME e das NC consiste
na predisposição para responder com renovado entusiasmo à chamada do Senhor. Esta
coragem evangélica permitiu o nascimento destes novos movimentos e comunidades.
Nesse sentido, as estruturas externas são importantes para a institucionalização
dos carismas, mas o que os preservará é o encontro com Deus. Por isso, é
importante construir os projetos formativos das NC sobre um itinerário
espiritual que contribua para o amadurecimento de uma verdadeira experiência
com o Senhor. Ao contrário, corre-se o risco de se fechar as novidades do
Espírito e sufocar o carisma. Cabe recordar que a grande novidade do Espírito
não é a concentração de grandes multidões nem a produção de espetáculos, mas
uma vida que imite a Jesus Cristo através de um carisma específico.
Estes carismas são, portanto, um dos
meios inspirados pelo Espírito para a santificação do povo de Deus, em especial
dos leigos. Para tanto, faz-se necessário que aqueles que se sentem chamados a
seguirem por estes caminhos firmem também a base de suas vocações na
experiência pessoal com o Senhor. Estas precisam caminhar em seu próprio tempo
e a sua própria maneira com Cristo e se enamorarem d’Ele. Nesse sentido,
torna-se mais autêntico o testemunho cristão quando as pessoas desejarem
permanecer com Cristo e se conformar com Ele. Este é a verdadeira conversão: se
sentir amado por Deus e responder a este amor até se conformar com o Amado. Os
comportamentos das pessoas transformar-se-ão através desta relação de amor e
não através de uma imposição de condutas morais, doutrinárias ou ainda
espirituais. Diversas modas fantasiam o testemunho cristão e é uma tentação se
submeter às mesmas. Esta via fere a liberdade das pessoas e ocasiona muitas
vezes uma desilusão em relação a Deus. Urge, portanto, conduzir os membros das
NC a uma experiência pessoal com o Senhor.
Para um amadurecimento desta relação
que fundamenta a pessoa em seu carisma específico, é necessário um
acompanhamento especial. As NC necessitam acolher e acompanhar os seus membros
e aqueles que se aproximam sem pressioná-las, mas sabendo acompanhar o processo
de amadurecimento de cada uma. Este caminho necessita de companheiros para ser
trilhado para aprenderem a reconhecer a voz de Deus e discerni-la dentro de si.
A sabedoria de um projeto formativo se encontrará na paciência em saber esperar
os tempos de cada pessoa. Esta é a atitude de Deus para com o seu povo: Ele é
paciente e espera por cada um. As contribuições da orientação espiritual
permitem com que os responsáveis pelo acompanhamento pessoal dos membros nas NC
saibam esperar o amadurecimento das pessoas. Este processo é exclusivo da
pessoa e ela crescerá a medida que se abrir ao amor. Assim, se vencerá a
tentação de impor comportamentos e modos de agir conforme a conveniência.
Por fim, ao
concluir este trabalho, aponta-se que a orientação espiritual contribui em três
pontos fundamentais. O primeiro apresenta o entendimento de que um carisma é
fruto de uma experiência com Deus. Em seguida, propõe-se esta relação como base
para a conformação da pessoa com Cristo através de um carisma. Por fim,
entende-se que adotar um estilo de acompanhamento tendo como referência a
orientação espiritual auxilia a pessoa a crescer nesse relacionamento a fim de
que responda com mais fidelidade a vontade de Deus. Estas são as três
principais propostas deste trabalho.
Tendo em
vista a ausência de estudos nessa área no âmbito das NC, visou-se apenas
iniciar uma discussão sem realizar nenhuma análise crítica acerca dos métodos
propostos. Sendo o fenômeno das NC ainda recente, a Igreja ainda estuda
diversas realidades internas em relação as mesmas, bem como são produzidos
trabalhos pelos membros destas instituições e também outros. Pelo fato de se
assemelharem com uma estrutura interna a vida consagrada religiosa, há muitos
pontos referentes a formação e ao modo de vida que são parecidos. Assim, os
processos formativos seguem um mesmo padrão e forma de acompanhamento. Dessa
forma, é possível que algumas reflexões deste trabalho contribuam também para a
vida religiosa em geral.
Por fim, a
experiência espiritual com Deus inflamará o coração das pessoas com o desejo de
se assemelharem com Jesus. Que não se perca tal vigor. As NC não se iludam em
querer ser o único caminho para a santificação das pessoas nem se transformem
em lugares de doutrinação. Ao contrário, favoreçam uma resposta livre,
responsável e madura ao amor de Deus. O importante é Jesus. A coerência de vida
se encontra no encontro pessoal com Ele que permite ao homem uma mudança de
vida. Não é um fato social. Por fim, o Papa Francisco faz o apelo para que as
NC se coloquem sempre a caminho e abertos as surpresa de Deus que estão em
sintonia com o carisma fundamental.
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