DA LOGOTERAPIA E DA DIREÇÃO ESPIRITUAL : uma leitura de aproximação

Delton Alves de Oliveira Filho,
Regina Console Simões 

A Logoterapia, considerada a terceira escola vienense de psicoterapia, é uma abordagem psicoterapêutica humanista cujo principal conceito teórico gira em torno do logos, entendido como “sentido e significado”. Fruto de estudo e vivência do Prof. M.D., Ph.D. Viktor E. Frankl (1905-1997), neuropsiquiatria austríaco, judeu chassídico e homem do seu tempo, que viveu e se relacionou na Viena cosmopolita do início do Século XX, frequentando os pontos de encontro nas cafeterias vienenses e estudos na Universidade de Viena. Ali conviveu com Sigmund Freud e Alfred Adler quando estudante de medicina. Leu Tomás de Aquino, utilizava-se de um breviário romano para rezar os Salmos (versão Vulgata Latina), trocou correspondência com Freud o que o levou a afirmar mais tarde: “ao lado de Freud eu não sou mais um anão, mas se um anão sobe aos ombros dum gigante, vê até mais longe do que ele”. Teve a vida acadêmica e profissional interrompida pela perseguição nazista, tornando-se por longo tempo prisioneiro nos campos de concentração da 2ª Grande Guerra Mundial, deixando de ser um cidadão austríaco para ser o judeu número 119.104. Ali vivencia concretamente o que já refletia em seus estudos e que o leva a sedimentar a estrutura da Logoterapia, cuja essencial final é “preparar o caminho para uma vida plena de sentido”. 

Como fruto de sua experiência radical de sobrevivência nestes campos relata: no campo de concentração todas as circunstâncias conspiram para fazer o prisioneiro perder seu controle. Todos os objetivos comuns da vida estão desfeitos. A única coisa que sobra é a ‘ultima liberdade humana’ a capacidade de ‘escolher a atitude pessoal que se assume diante de determinado conjunto de circunstâncias’. Inicia-se aqui a distinção da Logoterapia frente às duas escolas existentes à sua época: Freud, com a psicanálise, que afirma que o homem vive para viver bem, na busca do prazer e foco no “ter que” e Adler, por sua vez, com a psicologia individual, afirma que o homem se guia pela vontade de poder, ou seja, não é mais um “ter que”, porém um “querer” fechado em si mesmo nesta busca. Frankl se questiona: 


“Será que a pessoa nada mais é que um resultado de múltiplos determinantes e condicionamentos sejam eles de ordem biológica, psicológica ou social? Seria a pessoa apenas o produto aleatório de sua constituição física, da sua disposição caracterológica e da sua situação social? E, mais particularmente, será que as reações psíquicas da pessoa a esse ambiente socialmente condicionado do campo de concentração estariam de fato evidenciando que ela não pode fugir às influências desta forma de existência às quais foi submetida à força? Precisa ela necessariamente sucumbir a essas influências? Será que ela não pode reagir de outro modo às condições de vida reinantes no campo de concentração?”

    Frente a esta indagação, vejamos que é o homem na visão da Logoterapia de Viktor Frankl e na teologia católica, comparação esta necessária para cumprir os objetivos deste artigo. 

QUEM É O HOMEM

O Homem segundo a Logoterapia de Viktor Frankl

As escolas de Freud e Adler percebiam o homem pelas dimensões: biológica (fenômenos biológicos, químicos, fisiológicos), psicológica (impulsos, emoções, memória, concentração, relacionamento afetivo) e sociológica (o homem e suas circunstâncias geográficas, social de relacionamentos), sendo que todas estas dimensões são da matéria e sujeitas às suas leis. Quando Frankl indaga sobre que é então o homem? – ele recorda que no campo de concentração, após ser retirado tudo que possuíam, até mesmo os pelos do corpo (tudo o que se relaciona com o “ter”), resta somente o que “deve ser”: o homem em sua essência, o elemento humano. “Um ser que, em proporções idênticas, traz consigo as possibilidades de descer ao nível do animal ou se elevar à vida do santo”. 

Frankl respondeu a este cenário reconhecendo e validando o trabalho de antropologia desenvolvido por Max Scheler e o de ontologia por Nicolai Hartmann, pois ambos consideravam corpo, psiquismo e espírito como visão constitutiva do homem. Na perspectiva ontológica, Hartmann concebia o homem “como estrutura formada à maneira de escalas ou gradações constituídas pelas dimensões corporal, psíquica e espiritual ressaltando assim a multiplicidade do homem, mas não a sua unicidade”. Por sua vez Scheller, com sua antropologia, percorria o mesmo caminho que Hartmann concebendo o homem “como estrutura em estrato, o biológico, psicológico e o pessoal sem ressaltar também a unidade desta estrutura antropológica”.

Com base nestes pressupostos Frankl estruturou sua concepção de homem numa visão ontológica-dimensional, combinando ambas as teorias acima privilegiando uma unidade antropológica sem desmerecer as diferenças ontológicas. Diz Frankl: “A característica da existência humana é a coexistência entre a unidade antropológica e as diferenças ontológicas, entre o modo de ser unitário da realidade humana e as modalidades diversas em que ela se divide” 

Na ontologia-dimensional de Frankl as dimensões não são vistas como compartimentadas, mas sim com concêntricas, isto é, a dimensão superior abarca a dimensão inferior, sem inferir com isto juízo de valor ou hierarquia. Explicando de forma imaginária diria “a categoria de entrada é o corpo que é suprassumida na categoria de psiquismo, que por sua vez, é suprassumida na categoria de espírito. A tríade acaba por ser sintetizada na ideia de pessoa humana, tal como o homem é entendido na logoterapia”. Para Frankl, em sua perspectiva ontológica-dimensional, ele afirma que somente a dimensão espiritual é que vai mostrar efetivamente o que constitui a realidade específica do homem, já que nem de longe a unidade corpo-alma não constitui o homem integral. O que até então se resumia em condicionamento psico-fisico é superado na dimensão espiritual que Frankl denomina “a força desafiadora do espírito”.

Avançando na concepção de homem de Viktor Frankl ele complementa sua tese pontuando quatro premissas filosóficas essenciais para o ser homem:


O homem é ser espiritual (noos): “o homem tem corpo e alma, mas é espírito”. A dimensão espiritual é uma dimensão diferente das dimensões físico-psíquicas, ela é especificamente humana, imaterial (não sujeita às leis da matéria), não adoece, mas pode estar inibida, permite que se confronte com a realidade, consigo mesmo e com o destino. 

É capaz de se autodeterminar: distinto de Freud que atuando no “subterrâneo” da psicologia humana afirma a existência de um passado determinado por tendências instintivas, que decidem pelo homem, Frankl nega afirmando: o homem não é apenas aquilo que ele é, é também aquilo de decide ser. O homem também é um devir. O homem não apenas decide “sobre” ou “de” alguma coisa, mas também decide sobre si mesmo. Ele afirma que o homem é capaz de tomar decisões em quaisquer situações que se encontre. Conclui dizendo: “o que realmente importa não são as características do nosso caráter, os estímulos e os instintos em si mesmos e sim a atitude que tomamos em relação a eles. É a capacidade de tomar determinada atitude que nos torna seres humanos”.

Orienta-se para o significado e valores: Frankl não desmerece o valor das escolas de Freud e Adler, no entanto refuta veementemente que o homem tenha uma vida a mercê de condições bio-psico-social. Em função disto aponta: “o problema fundamental do homem é descobrir e realizar o significado da própria existência, por meio da realidade concreta da vida, sendo que o significado da própria existência é também o valor supremo de toda a existência humana”. Com isto a Logoterapia se distancia de princípios que considerem os instintos como propulsor de condutas, pois o homem requer que as ações, experiências, circunstâncias que conduzem sua vida tenham um sentido. 

A transcendência pertence ao ser-homem: na Logoterapia existe uma busca por uma dimensão superior que aponta além do que preconizado nas escolas de Freud e Adler entre outros. Esta dimensão superior recebe o nome de transcendência, pois se aplica ao homem que é capaz de superar a si mesmo nas mais adversas condições. Quando se abre para o mundo (transcendência horizontal) e quando se abre para uma abertura radical e total em direção ao significado último e absoluto (transcendência vertical). Desta forma ele conclui, “a autotranscedência é a essência da existência”. 

Complementando a visão ontológica dimensional e filosófica, Frankl demonstra as características antropológicas do homem em seu livro La Voluntad de Sentido com as 10 Teses sobre a Pessoa afirmando que a pessoa humana é:

Um indivíduo: uma unidade apesar da pluralidade. As dimensões bio/psico/social/espiritual estão numa unidade sem fragmentação, inquebrantável. O ser humano é uma unidade múltipla em profunda conexão.

In-summabile” (insomável): assim como não se pode repartir também não há nada mais que se possa agregar, pois já é TOTALIDADE enquanto ser humano.

Irreptível: é um ser novo e único. Não é igual a ninguém e nunca será. A existência espiritual, diferente da biológica, não se propaga de pai para filho.

Espiritual: dimensão noética, não material, metafísica. Dimensão onde se realiza a existência do ser potencializado a um dever ser.

Existencial: não é fática, ou seja, determinado pelos fatos. A pessoa humana é livre para responder e decidir às interpelações da vida, com liberdade e responsabilidade. Inclui o “para que” da liberdade, em favor de que e contra que se decide. Neste momento surgem os três pilares da Logoterapia: Liberdade da Vontade, Vontade de Sentido e Sentido da Vida.

Um sujeito (é egoico): a pessoa humana é senhora de sua casa, autor de sua história, tem as rédeas se sua própria vida. A pessoa não se acha sob a ditadura do ego, nem se pode derivar deste, contrariando Freud.

Brinda Unidade e Totalidade: o homem é unidade na multiplicidade, unidade apesar da multiplicidade de dimensões que o constitui, ao que se chama de unita multiplex.

Dinâmica: justamente por sua capacidade de se distanciar, de sair de si e se enfrentar na sua dimensão espiritual. Neste campo existem dois polos: do ser ao dever ser, vida entre a essência e a existência, campo de tensão fecunda.

O animal não é pessoa humana:o homem não constitui apenas uma evolução, mas antes uma revolução” (Chesterton em O Homem Eterno). Frankl fala que tem uma dimensão animal na pessoa, o que não tem é uma dimensão pessoa no animal. A pessoa além de ser o que é pode ser tornar aquilo que deve ser. 

Transcendente: o ser humano pode se autogovernar, tem autoconsciência e caminha para um longo processo de autoconhecimento pela vivência autotranscendente. A pessoa não compreende a si mesma a não ser do ponto de vista da transcendência. 

Em síntese, a dimensão ontológica, antropológica e filosófica acima explicitada, que caracteriza a existência humana, Frankl dá o nome de Logoterapia. Ele enfatiza a importância do significado da existência humana, isto é, não se pode viver de maneira verdadeiramente humana sem sentido: o homem é um ser espiritual-pessoal, é capaz de se autodeterminar, orienta-se para o significado e os valores e é autotranscendente. As dimensões somática, psíquica e noética tornam-se antropologicamente inseparáveis em Frankl, sendo que a noética unifica e agrupa em torno do próprio núcleo a globalidade do ser homem. A este núcleo pertencem os fenômenos mais exclusivamente humanos como amar, decidir, aceitar, descobrir e realizar valores e significados. O homem não mais é um ser guiado, mas livre e responsável. Nesta antropologia, o espiritual é o divisor de águas entre do mundo humano e animalesco no homem. 

Por fim, os problemas espirituais surgem nesta dimensão e clamam por um cuidar orientado para o espiritual, condição esta não prevista nas terapias existentes até então. Em Frankl, a dimensão espiritual não remete ao sentido teológico ou religioso, mas sim como característica da existência humana. No entanto, a visão Frankliana é compatível com a visão judaico-cristã como veremos a seguir. 


O Homem sob o ponto de vista da Teologia Católica

O que é o homem para que dele vos lembrardes? Ou que é o filho do homem para que vos ocupeis com ele?” (Sl 8, 5) 


    As Sagradas Escrituras ensinam que o homem foi criado à imagem de Deus: “Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança e que eles dominem sobre os peixes do mar, aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra (Gn 1, 26)”. Neste momento é declarada a primeira distinção do homem perante aos demais elementos da criação, ou seja, é estabelecida uma hierarquia onde o homem ganha a supremacia perante os demais seres criados e destes retira o seu sustento.  Mas algo mais também foi feito: Deus “insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente”, isto é, um ser animado por um sopro vital.  Por esta ação se estabelece uma nova constituição do homem que, além de ser à imagem de Deus, também é “um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual”, a saber, matéria e espírito.

O Catecismo da Igreja Católica no item 365 esclarece: “a unidade da alma e do corpo é tão profunda que se deve considerar a alma como a ‘forma do corpo’, ou seja, é graças à alma espiritual que o corpo constituído de matéria é um corpo humano e vivo; o espírito e a matéria no homem não são duas naturezas unidas, mas a união deles forma uma única natureza”(CIC 365). 

A antropologia bíblica aponta para o caminho da integração do homem e não para um ser dividido e dualista entre corpo e alma.  A Bíblia ao se referir ao homem usa três termos: corpo, alma e espírito: “não se trata de três componentes do homem e sim de três termos que sempre designam o homem inteiro, referindo-se cada um deles à aspectos diversos que constituem a experiência humana concreta e indivisa.”  A isto se reforça que o corpo e a psique não ficam alheios à vida espiritual. 

Em forma resumida, mas não exaustiva, apresentamos alguns pontos da reflexão antropológica inspiradas em correntes filosóficas contemporâneas a partir da perspectiva própria da experiência cristã católica. Isso ajudará a perceber o quanto podemos discorrer da complementariedade entre a visão do homem em Frankl e a bimilenar experiência da teologia católica nesse aspecto. É oportunidade também para situar em que tipo de relação se encontra o individuo e a comunidade no contexto de multiculturalidade dos dias atuais. Importante levar em consideração que toda a reflexão acerca do homem, da humanidade e da história da mesma se vê redimensionada pelo evento: “Cristo”. É por isso que pela lente da teologia cristã católica, o ser humano é lido por meio da comparação inevitável com o “homem que deu certo”: Jesus de Nazaré.

Não é possível entender o que é (ou quem é) o Homem sem observar a sua experiência, ou seja, o homem em ato. A partir dessa observação torna-se possível tecer um pensamento a respeito do que ele é e de suas dimensões, e relações.  A antropologia cristã considera cada homem/mulher como indivíduo perfeito da espécie humana, pelo fato de conter em si tudo o que expressa o conceito de “ser humano”. Não é possível fazer uma análise do ser humano a partir de reducionismos. Enxerga-se o ser humano como indivíduo que reúne em si ao mesmo tempo aquilo que é comum à sua espécie e aquilo que exclusivo em relação aos demais. Em outras palavras, embora cada ser humano seja legítimo representante de tudo o que compõe a espécie humana; ele é ao mesmo tempo: único, irrepetível, original e capaz do transcendente de forma pessoal. Tais aspectos são assim definidos porque cada homem traz em si Inteligência e Vontade. Daí brota Consciência e Liberdade. Tudo isso colocado em confronto pela possibilidade de contato, de socialização. “O homem é a natividade aberta ao outro em relação a si!”.

A revelação cristã, ao conjugar estes termos (Inteligência, Vontade, Consciência, Liberdade e, também, Responsabilidade) esclarece que tudo é originado no ato criativo por parte de Deus. O homem ‘imagem e semelhança’ de Deus!  Exatamente porque no ato criador, Deus não abandona o homem à sua própria sorte. O ser humano existe em ‘relação a’. Ao oferecer o seu ‘eu’ o Criador quer que o homem se sinta já em ‘comunhão’. Compreende-se, portanto, que nossa natureza inclui necessariamente o relacionamento ou o altruísmo, sendo o primeiro objeto da vontade, o transcendente por excelência. Ainda, os eventos mencionados na Revelação incluem circunstâncias que comprovam essa ‘vocação original para a transcendência’: a criação de Eva, a ato da Aliança e eleição (cf. Gên. 12,1-3; 17,1-8; Êxodo 19,1-8). Tudo isso atinge seu ápice em Jesus Cristo, modelo de todo homem, como já dito anteriormente (cf. Heb 3,1). 


Síntese


A visão do que é o homem na Logoterapia e na teologia Católica nos capacita observar a confluência de características que permitem mostrar a convergência de pensamentos. Ambas pontuam ser o homem único, irreptível, original, capaz da transcendência, bem como dotados de liberdade, consciência, vontade, responsabilidade, entre outros pontos. Em que pese as diferentes perspectivas pela qual se aproximam do ser homem, ambas convergem para uma visão que permite uma conversa que se complementa. No entanto, há um ponto de aproximação ainda mais significativo nestas duas visões do homem: a dimensão espiritual. 


DIMENSÃO ESPIRITUAL NA LOGOTERAPIA E NA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ

    Espírito: palavra hebraica (ruah) não se traduz por um único termo o hálito (Jó 15,30), o vento (Sl 33,6), o sopro vital (Gn 2,7), a consciência (...) princípio da vida e da atividade vital (Gn 6,17). O espírito como principio da vida é (...) dado por Deus e tirado por ele, nunca é concebido como um ser pessoal. O espírito no homem é também vitalidade enquanto atividade, índole, temperamento, coragem. 

    Espírito: porção imaterial ou imortal do ser humano, substancia imaterial onde se localizam os processos intelectuais e os princípios morais do homem, parte incorpórea, inteligente e sensível do ser humano. 


Dimensão Espiritual do Homem segundo a Logoterapia 

Diz Viktor Frankl em seus estudos sobre o homem incondicionado nos fundamentos antropológicos da psicoterapia: “o homem é espírito, existe como pessoa (...) mas existe um problema quanto à origem do espírito humano. Sabe-se cientificamente de onde vêm as condições físicas da existência espiritual, ou seja, dos cromossomas dos pais, que é o mínimo da existência. (...) então, de onde vem o espiritual? Não sabemos de onde vem o espiritual, a pessoal espiritual, até alcançar o corpóreo-psíquico. Uma coisa é certa: não provém dos cromossomas. (...) Não geramos, na verdade, nenhuma criatura, mas testemunhamos apenas, espiritualmente, esta maravilha: a existência pessoal, como espiritual que é, não se pode gerar, mas apenas possibilitar. Ela se deve auto realizar para esse processo e os pais podem apenas contribuir na medida em que colocam à disposição da existência espiritual o mínimo fisiológico da existência.(...) O homem, como pessoal espiritual não é criado por nós.” É compreensível esta afirmação de Frankl visto que seu trabalho de sustentação da Logoterapia teve cuidadosa elaboração científica, ou seja, crível por argumentações, fatos e comprovações. Sabemos que o físico é herdado pela hereditariedade e o psíquico é moldado pela educação, mas o espiritual não se educa = tem que ser realizado. O espiritual “é” só na autorealização, na “realização da realização” da existência, pois o espiritual é intransmissível.

Na Logoterapia a dimensão espiritual representa “o verdadeiro critério de distinção, a verdadeira linha de separação (“borderline”) entre o mundo do humano e do animalesco no homem”. Elizabeth Lukas em seu livro Logoterapia – a força desafiadora do espírito usou de um artificio acadêmico para nos fazer compreender didaticamente a percepção das teorias e que nos ajuda a identificar a intersecção do campo de atuação da logoterapia e da direção espiritual:


              

Neste esquema vemos que as Psicologias humanistas e as terapias cognitivas tenderam a se aproximar da dimensão noética (espiritual), “contudo, até agora, somente avançaram no terreno particular espiritual do homem a tradicional “direção espiritual”, parte da “cura d’almas” pastoral e a logoterapia, como sistema de cura”. Frankl reforça que a logoterapia, como cura médica da alma, não vem para substituir ou prevalecer sobre a moral ou sobre a cura pastoral da alma, pois “a ajuda que oferece... é estritamente médica, para atender aos casos nos quais a medicina enquanto tal deixa de ser eficaz”. 

Viktor Frankl construiu sua visão de homem sobre uma base ontológica dimensional privilegiando uma dimensão espiritual (noética). Entende-se por dimensão espiritual, na Logoterapia, aquela onde se localiza a tomada de posição, livre, em face das condições corporais e de existência psíquica. É uma dimensão especificamente humana, própria do homem que responde pelas decisões pessoais da vontade, intencionalidade, interesse prático e artístico, pensamento criativo, religiosidade, senso ético (“consciência moral”) e compreensão de valor. Mais ainda, esta dimensão no homem encontra-se para além de qualquer doença somatógena e psicógena. A doença pode atingir o homem na sua humanidade, mas não na dimensão noética, onde a pessoa “verdadeira e própria” permanece intacta e intocável. Doença e saúde são tópicos da dimensão biológica e psicológica, mas não do âmbito espiritual. Nesta dimensão a pessoa permanece verdadeiramente intacta e intocável. 

É importante notar que esta dimensão é essencialmente responsável pelas capacidades especificamente humanas de: liberdade (de fazer escolhas baseadas em valores), responsabilidade (de prever consequências das escolhas), e consciência (capaz de captar os valores), ou seja, a liberdade espiritual pressupõe a possibilidade de escolha onde haverá responsabilização pela escolha feita e possibilidade de culpa frente a algo não significativo ou sem sentido. O conhecimento daquilo que é “significativo” e do “não significativo” mostra a existência do “órgão do sentido” = a consciência.

    Isto posto há que se completar que toda liberdade tem um “de quê” e um “para quê”. O “de quê” está relacionado com a libertação perante o ser impulsionado, ao “eu”, ao “id”. O “para quê” da liberdade humana é sua responsabilidade, liberdade “de” ser impulsionado “para” ser responsável, para ter consciência. Ser livre e responsável para além do meu “eu”, onde a consciência transcende minha condição humana e assim posso compreender a mim mesmo, a minha existência, a partir da transcendência, como “voz da consciência”. “Esta voz só é ouvida pelo ser humano, ela não provém dele, ao contrário, somente o caráter transcendente da consciência faz com que possamos compreender o ser humano (...) num sentido mais profundo.” A transcendência reflete o capacidade do ser humano dar valor às circunstâncias do momento e ir além dela, encontrando o sentido último num ser supremo. Evita-se neste ponto relacionar a Logoterapia com qualquer linha de religiosidade a fim de mantê-la acessível a qualquer paciente e praticada por qualquer médico independente de seu credo pessoal.

Assim como as escolas anteriores apontam a existência de um consciente e um inconsciente, Frankl também apontou em sua antropologia a existência de um inconsciente espiritual. A dimensão espiritual é que dá capacidade ao homem de distanciar de si mesmo e se orientar para algo diverso de si. Como visto, a transcendência é peculiar ao espiritual e por consequência, do inconsciente espiritual. Cabe aqui agora pontuar que nesta dimensão se enquadra a religiosidade, sendo que a religiosidade é um dos tópicos desta dimensão, mas não sua totalidade.

Frankl era um homem religioso, mas cioso de mostrar a Logoterapia como uma ciência. Assim, pontua que a dimensão espiritual inclui o estudo do espírito e da fé como manifestações sublimes do homem, onde por fim localiza-se a religiosidade como fenômeno humano. No entanto, a dimensão espiritual é maior que a religiosidade, é condição inerente da constituição do ser humano independente de credo, raça, cultura ou qualquer outro atributo: um índio, um criminoso e um religioso possuem a dimensão espiritual, o que difere é como realizam a sua fé, a sua religiosidade. 


Espiritualidade segundo a Antropologia Católica

O que vem a ser ‘Espiritualidade’? Para os filósofos, em geral, trata-se mais de uma qualidade que de uma entidade. Contrapõe-se à materialidade. Refere-se a uma qualidade que transcende toda materialidade. Assim Deus, os anjos, a alma, são exemplos perfeitos de seres espirituais. Neste caso emprega-se espiritual como negação de material. Espiritual então é a qualidade que convém a seres situados fora do espaço e do tempo. Via de regra este é o ponto em que pára a eloquência dos filósofos. Os teólogos, por sua vez, conhecem diferentes respostas. Alguns repetem mais ou menos os filósofos. Outros se referem aos escritos e aos ensinamentos da teologia. Recorrem, então, ao binômio da ascese e da mística.

Espiritualidade vem do latim “spiritus”. É o conjunto de atitudes, crenças e práticas que fazem parte da vida das pessoas e as ajudam a alcançar realidades mais sensíveis e a ter um relacionamento com o transcendente, consigo mesmo, com o outro e com o mundo. Na fé católica a espiritualidade é uma dimensão da pessoa que traduz o modo de viver característico daquele que acredita e busca alcançar a plenitude da sua relação com Deus, com as pessoas que a cercam, com a natureza e com a sociedade em que vive.

Para explicitar o termo ‘espiritual’ na semântica católica precisamos dizer que se trata de algo relativo ao ‘espírito’, ou à alma. A antropologia cristã chama de ‘espiritual’ a pessoa que cultiva o seu espírito em oposição a um estrito interesse geral pelo que é material. A dimensão espiritual do ser humano é a base de uma espiritualidade. Etimologicamente falando, a dimensão espiritual é a condição e a natureza da espiritualidade. A noção de espírito está ligada ao dom sobrenatural que Deus concede às pessoas e que precisa se distinguir da racionalidade, em sentido estrito. 

Sob certo aspecto, a espiritualidade é o lado subjetivo da religião. Para o cristão, a espiritualidade não se reduz à interioridade da pessoa, nem ao sentimento ou à necessidade subjetiva (modernismo). Relaciona, antes de tudo, o homem finito com a realidade divina, com Deus que se revela na obra da criação e no mistério de Cristo.

Todos os seres humanos são capazes de se relacionar com o transcendente. Isso é comprovado pelo simples fato de buscarmos o sentido da vida e sentido definitivo das coisas que nos acontecem. Perguntas do tipo: o que somos? De onde viemos? etc., confirmam essa capacidade espiritual do ser humano. Nossa identidade espiritual garante a possibilidade de conhecer e amar. Somos capazes de Deus! “O desejo de Deus está inscrito no coração do homem; e Deus não cessa atrai-lo a Si...” (CIC n.27)

Para dar resposta ao movimento intelectual que colocou em relevo a subjetividade – a partir do ano 2000, a Espiritualidade passou a ocupar mais espaço na interlocução acadêmica. Todavia, sempre foi argumento em discussão a partir da análise teológica na Igreja Católica. Cristianismo e Humanismo encontram no viés da Espiritualidade uma oportunidade de diálogo interdisciplinar. 

A experiência cristã tem seu ponto de partida na ‘experiência do encontro com o Transcendente’ . Tal como a passagem da proclamação da fé à fé propriamente vivida: viver aquilo que se crê e pelo que se crê. Essa realidade encontrou forma por meio do rito (liturgia). Para a espiritualidade católica, o rito (liturgia) é viva e vivificante porque é a materialização da Verdade à qual se professa. Tratando-se de espiritualidade na ótica da antropologia católica, teríamos que falar também em religiosidade e suas expressões, oração, interação com o sagrado, impacto da espiritualidade na visão de mundo, do ‘eu’ e da realidade social. 


Síntese


A dimensão espiritual do ser humano não é um setor compartimentado, mas sim integrado na totalidade da pessoa humana. Esta dimensão ilumina, dá sentido a toda a existência humana, pois parte da vida, mobiliza e desperta vida nas pessoas. Todo ser humano, só pelo fato de ser humano, possui esta dimensão que perpassa toda a pessoa, seu corpo, mente e afetividade. O Homem sonha, deseja, aspira, sente impulso de ir além de si mesmo, de transcender. Esta dimensão, que se expressa através da espiritualidade, vai muito além de uma religião, sendo que esta apenas concorre para facilitar a vivência de uma espiritualidade religiosa, seja cristã ou de outra denominação. Sob o prisma da espiritualidade cristã podemos acrescentar que esta move o ser humano a uma descida em direção à própria humanidade a fim de vivê-la de uma maneira intensa, onde tudo é integrado. Promove que busque se viver de maneira inteira qualquer circunstância a partir de uma inspiração que vem de dentro, que brota do interior, desta morada do espírito. Abre-se um novo horizonte de escuta e sentido interior ainda que esta pessoa passe por crises, dificuldades, perdas ou fracassos. A espiritualidade leva a pessoa a aprender com tudo que acontece, a compreender que em tudo há um sentido, que em tudo há uma presença. Ativa no ser humano os sentidos contemplativos fazendo com que seja capaz de olhar e escutar a vida de outra maneira, de uma perspectiva diferenciada. Desta forma se reforça que a dimensão espiritual não é uma área estanque ou separada, mas sim integradora da totalidade do ser humano.


A LOGOTERAPIA E A DIREÇÃO ESPIRITUAL   

Frankl tinha muita clareza ao trabalhar a Logoterapia como um caminho aberto a todos, sãos ou enfermos, crentes ou não crentes, independentemente do que pensem a respeito do mundo. Com isto ele desejava evitar que se confundisse o religioso com o científico. Nesta linha de pensamento é importante mostrar que a dimensão espiritual atende às duas vertentes, ou seja, à Logoterapia e a Direção Espiritual, porém tendo claro que logoterapia não é orientação espiritual, assim como orientação espiritual não é logoterapia. Frankl abre ainda um pouco mais este campo dizendo: “a orientação espiritual de que o homem necessita para ter saúde e orientação na vida não pode provir da alma, da psique, mas unicamente do espírito, do ‘logos’. Justamente por isso a religiosidade (a fé em algo) não pode ser reprimida.” Frankl tem consciência desta tênue linha limítrofe entre a dimensão espiritual e a religiosidade por isto coloca que “a religião busca a salvação da alma e a Logoterapia busca a cura da alma e aceita o caminho da religião, reconhecendo que esta pode aumentar os efeitos logoterapeuticos, não obstante as duas áreas serem estritamente separadas.” Em certo ponto ele afirma que na logoterapia o homem dá as respostas e, na religião, o homem recebe as respostas.

Interessante notar que a Igreja Católica reconhece os benefícios da Logoterapia frisando no Item 107 do Tópico Psicologia e Psicoterapia da Carta dos Operadores de Saúde de 1995 emitido pelo Pontifício Conselho para a Pastoral dos Trabalhadores da Saúde: “Do ponto de vista moral, as psicoterapias privilegiadas são a Logoterapia e o Aconselhamento (Counseling). Mas todas são aceitáveis, desde que administrados por agentes psicoterapêuticos que se deixem guiar por um elevado senso ético.”

Entende-se por Direção Espiritual, ou acompanhamento espiritual, o “ajudar o outro a encontrar-se consigo mesmo, com os outros e com Deus a fim de perseguirem uma vida espiritual e humana de qualidade. É um método informal de educação do ser humano integral, em que todas as nossas faculdades são colocadas a serviço do outro e especialmente do Reino de Deus”. O objetivo final da Direção Espiritual é a busca da santidade.

Por sua vez, a Logoterapia, que significa cura pelo sentido, visa ajudar os que a buscam a encontrar um sentido maior em sua vida, tornando-a mais completa, vivendo relacionamentos mais sadios com seus semelhantes, consigo próprio, se reconhecendo na sua riqueza de pessoa única e singular. O objetivo final da Logoterapia é a busca da sanidade.

Tanto a Direção Espiritual como a Logoterapia visam estimular a dimensão espiritual do ser humano para que alcance a sua autotranscedência e dê sentido e significado às incógnitas e buscas que o aflige. Ambos os processos se dão através de encontro e diálogo onde um auxilia e outro é auxiliado, sendo que a Logoterapia objetiva fazer o homem encontrar em si as respostas às suas ânsias enquanto que na Direção Espiritual as respostas são encontradas no transcendente, em Deus. 


Constatação 1

Temos chance agora de observar a possível complementaridade entre o processo do acompanhamento terapêutico baseado na Logoterapia e aquilo que o acompanhamento espiritual, ou direção espiritual, é na prática. O ponto de intersecção entre as duas realidades é a visão antropológica aberta para a transcendência. O logoterapeuta e o diretor (acompanhador) espiritual geram a oportunidade do contato com aspectos que coincidem na consolidação da identidade antropológica do ser humano. 

Em análise comparativa, podemos sinalizar que entre a Direção Espiritual e a Terapia existem semelhanças: é um relacionamento empático entre duas pessoas; o processo afunila-se em direção ao transcendente; a regularidade, confiança e a liberdade entre os dois. O terapeuta e o diretor espiritual exercem um papel de acompanhador do processo de liberdade e responsabilidade em vista da realização da própria identidade. O paciente e o dirigido se comportam como receptores ativos da palavra e das provocações em cada encontro e no relacionamento propriamente dito. 

Em contrapartida, há diferenças marcantes que justificam a especificidade de cada processo. O terapeuta deve ser capacitado e bem formado, integrado e disposto a crescer junto com o paciente ao longo do caminho do acompanhamento. O diretor espiritual, por sua vez, além do conhecimento humano básico, precisa ter uma experiência pessoal com o transcendente para justificar sua posição como ‘pai/mãe espiritual’ do dirigido. Santa Teresa de Jesus dizia que o diretor espiritual precisa ser santo, douto e sábio. Enquanto a terapia pode ser remunerada até para responsabilizar apropriadamente o paciente; a direção espiritual se dá na esfera da gratuidade, excluindo o aspecto financeiro por completo. A visão ética e moral na terapia se enraízam no bom senso e nas leis humanas, quer levar o paciente à integração da própria identidade humana na liberdade responsável cujo fim é o Amor (sentido). Na direção espiritual, ética e moral são regidas pela doutrina cristã, de modo que ao dirigido é esperado um comportamento filial e de vínculo espiritual superior ao vínculo natural, humano; além de objetivar a maturidade humana, a direção almeja a santidade. Não há santo que não tenha amadurecido em sua humanidade, mas todo aquele que chegou à maturidade humana atingiu apenas o primeiro estágio para galgar o patamar dos santos. De modo geral, as pessoas procuram a terapia diante de um problema ou de um desconforto psicológico. A direção espiritual é, na verdade, uma experiência que foge à ideia de ‘pronto socorro’ ou de ‘hospital de campanha’, seria mais bem comparado a uma ‘academia’ onde a perda do hábito, da constância, constituiria a ruína da ‘musculatura interior’. 


Constatação 2 


Relatos em vários lugares do mundo comprovam que a Logoterapia se apresenta como um válido caminho terapêutico, com resultados bastante bem-sucedidos. A responsabilização em vista da abertura ao transcendente para uma ‘vida com sentido’, é ferramenta constitutiva de pessoas integradas e com boa ‘saúde’ na sua identidade. Todavia, enquanto terapia, o processo não pode indicar algo em específico no que tange a transcendentalidade. Frankl esquivou-se de misturar a religiosidade confessional com a noção de espiritualidade; exatamente para ser uma ciência aberta e capaz de dialogar com todos.

Na direção espiritual, o processo do acompanhamento pode servir-se dos elementos oriundos do conhecimento da logoterapia. O diferencial é que na abertura ao transcendente, todo o processo se concretiza por meio do encontro pessoal com um ‘outro’, com uma Pessoa no sentido completo da palavra: o Filho de Deus. A acolhida, a empatia, o discernimento de alguma patologia que impeça a responsabilização, a superação das dificuldades em vista de uma abertura ao transcendente vão afunilar-se num mesmo ponto, ou melhor, numa mesma pessoa: Jesus Cristo. Não se trata apenas de um aspecto confessional da espiritualidade. A direção espiritual aponta para Cristo. Jesus é o homem que deu certo. É o homem que não só encontrou o sentido da sua vida, como também se tornou o sentido da vida dos seus seguidores. Em Cristo, consolida-se o encontro do sentido na transcendência de uma pessoa integrada, livre e comprometida com um amor capaz de suportar tudo. 


|Zona Limítrofe


Podemos de certa forma encontrar pontos em que a Logoterapia e a Direção Espiritual se potencializam. Os pontos abaixo não devem ser lidos ou vistos como conflituosos entre si, mas como opções de caminho ao longo de uma jornada: quanto mais propenso a uma visão de mundo a Logoterapia tem o trajeto, quando se abre para um transcender espiritual a Direção Espiritual acolhe. Como dito no prefácio à edição brasileira do livro Jesus e a Logoterapia de Robert C. Leslie: “a psicologia de Frankl é uma psicologia que deixa uma porta aberta ao mistério, ao transcendente (...) fundamenta e busca seu sentido na entrega aos outros,.... em outras palavras, no amor aos irmãos e irmãs”.


Tópico

Logoterapia

Direção Espiritual

Movimento Intencional 

A psicoterapia tem que se mover aquém da fé na revelação, aquém da cosmovisão teística. Ou seja, fé geral em um sentido.

A direção espiritual move-se em direção para a fé na revelação, fé em Deus, onde tudo terá um único sentido.

Dialogo Socrático

Ferramental utilizado pela Logoterapia para promover um diálogo que faça com que a pessoa vá à busca de seu autoconhecimento.

Não utilizado pela Direção Espiritual, porém de grande auxilio para mover a pessoa em perguntas que levem a obter as respostas em sua vida de oração.

Sentido da Vida

Remete que a pessoa busque, encontre, descubra o sentido da vida em seu próprio caminho. Não alimenta o “por que”, mas sim o “para que”, o “como”. 

Segue o mesmo critério porém olhando para Jesus, olhando o caminho feito nos evangelhos. 

Liberdade de Escolha

Descortina ao homem sua constituição livre, sua capacidade de decidir ainda que tudo o mais não lhe reste. Escolha baseada em valores.

Descortina ao homem sua constituição livre, dando base para suas escolhas segundo valores cristãos. 

Vontade de Sentido

Estimula esta principal força motivadora do ser humano, gera esperança, dá um propósito.

Preenche de sentido a vida, iluminando o caminho a percorrer diariamente.


Ao tratar do vazio existencial que o ser humano pode vivenciar em algum momento da vida, ou seja, quando se defronta com uma indagação que diz “tenho com que viver, mas não tenho um por que viver” abre-se a tensão da busca de sentido. Neste ponto a Logoterapia remete a valores que dão sentido a vida, ou seja, valores de criação, vivenciais e de atitude. A eles também podemos dizer que tanto a Logoterapia e a Direção Espiritual convergem: evita que a pessoa convirja a si própria num movimento de fechamento, isolamento. Ambas remetem a uma abertura ao mundo, aos outros e ao transcendente. Sendo a pessoa responsável por seus atos, bem como pelas consequências destes, ela é impulsionada a buscar sentido em valores que dinamizam e se distanciem da dinâmica de prazer imediato no ter ou poder. 


Valores 

Logoterapia

Direção Espiritual

Criadores ou de Criação

Direciona o homem a agir em temas que produza resultado ligados a trabalhos, que veja uma obra produzida por si e que gere satisfação e bem estar a quem a criou.

Direciona o homem a ser presente em obras que levem vida a outros. Que socorram e ajudem a quem precise.

Vivenciais ou de Experiência

Experimentar de forma plena a vida através do sentido do amor, sentido profundo por algo que marca e nos preenche completamente.

Sentido do amar ao próximo de forma plena e total.

De Atitude ou de Aceitação

Enfrentamento a situações limites, como enfrenta as situações limites, inclusive quando não resta mais nada a fazer. 

Enfrentamento das situações da vida com liberdade, indiferença e esperança em Deus. 


De forma ampla e geral a Logoterapia e a Direção Espiritual têm estruturas e características similares que podem comunicar entre si desde que os objetivos a serem alcançados estejam claros. É importante salientar que a Logoterapia trabalha e se suporta em valores e conceitos que são vividos na espiritualidade cristã, e dá luz a entendimentos não abordados no campo da espiritualidade, pois pertencem ao âmbito da humanidade em si. 

Diz Frankl com um toque de humor que numa época em que os Dez Mandamentos parecem perder sua validade para tantas pessoas, o ser humano precisa ser capacitado a captar os 10.000 mandamentos que se ocultam de forma cifrada em 10.000 situações com as quais ele se confronta na vida. Aos Dez Mandamentos damos a Direção Espiritual e aos 10.000 mandamentos damos a Logoterapia.

CONCLUSÃO

Um dos pontos de grande importância da Logoterapia de Frankl, entre outros e que nos importa neste escrito, foi trazer a dimensão espiritual com ênfase e lugar concreto na psicologia. A entrada desta dimensão no campo da psicologia mostra a situação limítrofe que se enfrenta no evoluir do conhecimento como diz Elizabeth Lukas em seu livro Psicologia Espiritual: a logoterapia não ficou “entre” duas cadeiras, mas “sobre” duas cadeiras que transformou numa base integrada. Não ignora a base psicofísica sujeita a distúrbios, mas também não ignora a personalidade espiritual do ser humano, a “centelha divina” na “argila”.

Esta ponte lançada entre duas margens nos diz algo muito importante, ou seja, que a psicoterapia pode despertar uma religiosidade adormecida assim como a religiosidade pode proporcionar bem-estar psicológico. Neste momento a Logoterapia e a Direção Espiritual têm cada qual a função de guiar com segurança aquele que se abre para um aprofundamento de conhecimento de seus apelos mais profundos. Frankl dava muita importância à religiosidade, sendo ele mesmo fiel aos preceitos judaicos. Em seu livro A presença Ignorada de Deus ele afirma que a pessoa religiosa vai para uma dimensão mais elevada, mais abrangente que a dimensão observada na psicoterapia e que o acesso a esta dimensão não se dá pelo conhecimento, mas sim pela fé. 

    Com isto a Direção Espiritual pode se aproveitar das luzes que a Logoterapia joga sobre a dinâmica psico/físico/espiritual do homem por ela reconhecido assim como a Logoterapia tem um caminho aberto para enviar à Direção Espiritual, aquele que se abre para a dimensão espiritual no âmbito da fé. Guardando as devidas características e finalidades de cada uma, são especialidades que se complementam e conversam em sintonia podendo potencializar o encontro do homem consigo mesmo. 









Referências Bibliográficas


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