CUIDANDO DO RELACIONAMENTO COM JESUS
Ir. Flávia Matias de Queiroz, Religiosa da Instrução Cristã, Maceió (AL)
A pandemia inesperada, causada pelo novo corona vírus, surpreendeu e impactou a todos nós. Tínhamos tantas coisas a fazer, tantos projetos a executar, tantos desejos a satisfazer... mas, diante de tudo, fomos obrigados a desmarcar inúmeros compromissos inadiáveis, a viver em isolamento social, a aprender que a vida nos escapa, que não podemos detê-la. O minúsculo vírus nos colocou diante de nós mesmos, de nossos limites e de nossa realidade de finitos e impotentes. Estávamos tão anestesiados pela procura do ter, do poder e do prazer, que chegávamos a pensar que podíamos prescindir de Deus. Esquecemos de alimentar o espírito que, por vezes, ficou raquítico, anêmico ou, ainda, por acharmos, em algum momento, que Ele não era importante, por isso não o buscamos. Esquecemos que precisamos de Deus assim como precisamos do ar que se respira. Todavia,somos criados para vivermos em comunhão com Deus, nascemos para Ele, sentimos saudade Dele. Ele é único capaz de saciar nossa sede, sem Ele nos tornamos vazio. Ele é o Princípio, o Fim e o Fundamento de nossa vida!
Esse tempo é, também, precioso, rico de aprendizado, de possibilidades para ressignificar a vida, as relações com Deus, com o outro, com o trabalho, com as perdas; é momento importante para descobrir o que é essencial e que, por vezes, anda despercebido e escondido em tantas desculpas. Fomos constatando que tudo passa e que só Deus permanece.
Este pequeno texto quer ser uma proposta, uma colaboração, oferecer algumas dicas de ajuda para o crescimento da vida espiritual pela oração pessoal. Mas como fazê-la? Que método seguir? Aqui, proponho um Método Inaciano, o qual me identifico e, ainda, pelo fato de pertencer a uma família religiosa, que tem essa espiritualidade como um legado de nossa fundadora Madre Agathe Verhelle, recebida de Santo Inácio de Loyola. Sendo assim, precisamos utilizar dos métodos ou técnicas “tanto quanto” nos ajudem como meios para alcançar “o fim que se pretende”.
A oração é encontro com Deus. Todo encontro precisa ser preparado, precisa de rituais, pois somos seres de comunicação e valorizamos os ritos, os gestos. Hoje, experimentamos, por causa do isolamento social, a falta do abraço, do aperto de mão e do beijo. Com tudo isso, redefinimos como esses gestos e sentimentos são significativos e profundos numa relação!
Assim, também é com Deus. Para nos comunicarmos com ele, faz-se necessário uma preparação, que seja expressão do nosso carinho e do nosso afeto. Ela cria dentro do coração da pessoa que ora um espaço sagrado para o encontro que é preparado pelo silêncio, pela disponibilidade do coração, reservando um tempo e um espaço que sejam adequados a esse encontro.
Mesmo que o tempo reservado para a oração seja breve, ele não pode ser vivido às pressas, de qualquer jeito. O objetivo do ritual apresentado por Santo Inácio é criar um “clima” espiritual, que favoreça o encontro da pessoa com Deus e da acolhida do seu amor.
“Porque a oração é um encontro pessoal com Deus, para que o encontro seja verdadeiro, é necessário preparar o coração. É necessário, como dizia a raposa ao Pequeno Príncipe, “vestir o coração” (Barreiro, Álvaro).
“Deus quer comunicar-se a suas criaturas” [EE 15,6]. É desejo seu dar-se a nós. Portanto, é imprescindível ajudar-nos para eliminar os obstáculos que interferem nessa comunicação e criar condições que a facilitem. Sobre isso, afirma o Padre jesuíta Álvaro Barreiro: “Para encontrar-se com Deus são necessárias certas condições prévias: deixar o exílio, sair da alienação nas coisas exteriores, entrar na própria casa, recolher-se dentro de si, pois é dentro de nós que ‘acontecem as coisas de muito segredo entre Deus e a alma’”.
Gostaria de convidá-lo(a) a viver a aventura de se tornar mais íntimo do Senhor, conhecê-lo melhor através de um relacionamento mais estreito com Ele. Para isso, proponho dois tipos de oração: a meditação e a contemplação. Elas, quando feitas com carinho, dedicação e amor, deixarão marcas da presença redentora de Deus em nós e nos torna seres iluminados, capazes de ver o mundo e as pessoas com os olhos de Senhor.
“A meditação inaciana é um meio de rezar que ajuda a abrir-se à escuta de Deus que nos fala. É um momento para pensar e aprofundar no amor de Deus. Ela se dá através de três áreas, quais sejam: a memória, a inteligência e a vontade, para que possamos “sentir e saborear as coisas internamente” (EE2).
Para fazer essa experiência, Santo Inácio de Loyola nos propõe que sigamos os seguintes passos:
1º Passo: Dispor-se a rezar
✓ Escolho um TEXTO bíblico.
✓ Determino o TEMPO (duração) da oração.
✓ Busco um LUGAR tranquilo que ajude a me concentrar.
✓ Encontro uma boa POSIÇÃO corporal adequada.
2º Passo: Preparar a oração
✓ Faço SILÊNCIO interior e exterior.
✓ RESPIRO lentamente, suavemente.
✓ Tomo consciência de que estou na presença de Deus.
✓ Faço com devoção o sinal da cruz.
3º Passo: Situar-se na oração
✓ PEÇO a DEUS Nosso Senhor, para que todas as minhas intenções, ações e operações sejam ordenadas puramente ao serviço e louvor de Sua Divina Majestade (EE 46).
✓ Peço a GRAÇA que verdadeiramente DESEJO receber de DEUS.
4º Passo: Meditar
✓ LEIO o texto devagar, atento, saboreando as palavras que mais me "tocam".
✓ MERGULHO em profundidade, meditando, refletindo, sem pressa de passar adiante.
✓ SABOREIO demoradamente cada palavra, até saciar-me.
✓ REFLITO por que esta frase, palavra, ideia me chamou atenção.
5º Passo: Concluir e registrar
✓ CONVERSO COM DEUS: falo, escuto, peço, louvo, pergunto, silencio, segundo os sentimentos experimentados na oração.
✓ Termino este colóquio rezando um PAI-NOSSO, uma AVE-MARIA ou um GLÓRIA AO PAI.
✓ Recordo o meu ENCONTRO com Deus e anoto aquilo que foi mais importante na oração.
✓ Quais as palavras e frases que mais me TOCARAM? Quais pensamentos e sentimentos EXPERIMENTEI? Senti algum APELO de Deus?
Oração de contemplação
(https://siessalvador.org/oracao-de-contemplacao/)
Contemplar: “estar com Deus no templo”, no lugar de sua presença. Maneira nova de tornar Deus presente ao homem, e do homem fazer-se, por sua vez, presente a Deus. A luz da contemplação, a vida e o mundo são percebidos e tratados como o grande templo do Transcendente.
A contemplação nos exercícios espirituais de Santo Inácio é uma forma de oração através da qual deixamos que o Mistério da Vida de Cristo nos penetre e nos vá permeando como por osmose (por “com naturalidade afetiva”) e ao mesmo tempo vamos “conhecendo intimamente” esse mistério insondável.
Trata-se de fazer-me presente à cena evangélica, esquecer-me de mim e estabelecer uma relação de presença, de intimidade… que faça possível com que a Pessoa de Jesus vá se “adentrando” em mim.
O “conhecimento interno” de Jesus não se adquire por meio de reflexões teóricas, feitas com a inteligência. Estas podem ser importantes e necessárias; para fazer a experiência do encontro pessoal com o Senhor é necessário saborear, “sentir o sabor” das cenas do Evangelho que são contempladas. Deixar-se tocar pela palavra, pelo olhar, pelos gestos do Senhor. A contemplação lentamente vai transformando a pessoa. “Nós nos tornamos aquilo que contemplamos”.
Aquele que contempla também não é uma pessoa abstrata. Sou eu, carregado com minha vida, minha história, meu temperamento, meus sonhos, minhas capacidades.
Passos da oração de contemplação
✓ Recordo a história e uso a imaginação para entrar na cena evangélica.
✓ Procuro ver, contemplando cada pessoa da cena; dou um olhar demorado, sobretudo, na pessoa de Jesus (se for o caso). Olho sem querer explicar ou entender.
✓ Tento ouvir, prestando atenção às palavras ditas ou implícitas: o que podem significar? E, se fossem dirigidas a mim...?
✓ Observo o que fazem as pessoas da cena. Elas têm nome, história, sofrimentos, buscas, alegrias. Como reagem? Percebo os gestos, os sentimentos e atitudes, sobretudo, de Jesus.
✓ Participo ativamente da cena, deixando-me envolver por ela. Além de ver, ouvir, tento apalpar e sentir o sabor das coisas que nela aparecem.
✓ E, refletindo, tiro proveito de tudo o que ocorreu durante a oração.
✓ Finalizo com uma despedida íntima de meu Deus, rezando um Pai Nosso.
✓ Saindo da oração, faço a minha revisão.
Revisão da Oração
✓ Terminada a oração, revejo brevemente como me saí nela, perguntando-me:
✓ que Palavra de Deus mais me tocou?
✓ que sentimento predominou?
✓ senti algum apelo, desejo, inspiração?
✓ tive alguma dificuldade ou resistência?
✓ Anoto o que me pareceu mais significativo na forma de uma breve oração de súplica ou de agradecimento.
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